terça-feira, 15 de novembro de 2011
SINCRONICIDADE
VAMOS ESTUDAR?
SINCRONICIDADE E WITZ
Fernando Cavalheiro
Em 1950 Carl Gustav Jung publica um ensaio chamado Sincronicidade: Um Princípio de Conexões Acausais. Nesse ensaio Jung evoca dois filósofos, a saber, Schopenhauer e Leibniz. O primeiro vale-se do conceito de prima causa para explicar a relação de simultaneidade significativa, de cuja expressão Jung cunha o termo sincronicidade. De Leibniz é a idéia de harmonia preestabelecida, assim comentada por Jung:
"Para este último (Leibniz), Deus é o criador da ordem. Assim ele compara a alma e o corpo a dois relógios sincronizados e emprega esta mesma imagem para exprimir as relações das mônadas ou enteléquias entre si. Embora as mônadas não possam influir diretamente umas nas outras (abolição relativa da causalidade), porque não têm 'pequenas janelas', contudo são constituídas de tal maneira, que sempre estão de acordo, sem terem conhecimento umas das outras. Ele (Leibniz) concebe cada mônada como um 'pequeno mundo', como um "espelho indivisível ativo'. Não somente o homem, portanto, é um microcosmo que encerra a totalidade em si, como também - guardadas as devidas proporções - qualquer enteléquia ou mônada. Qualquer 'substância simples' tem conexões 'que expressam todas as outras'. 'Por isto, ela é um espelho vivo e eterno do universo'. Ele (Leibniz) chama as mônadas de 'almas de organismos vivos'. 'A alma obedece às suas próprias leis e o corpo também às suas; eles se ajustam entre si graças à harmonia preestabelecida entre todas as substâncias, porque todas elas são representações de um só e mesmo universo'".
Essas idéias coincidem com as dos primeiros românticos para os quais o mundo constituía-se num livro a ser lido, pleno de coincidências significativas, uma grande unidade. Para Goethe, citado por Jung, : "Todos nós temos certas forças elétricas e magnéticas dentro de nós e exercemos um poder de atração e repulsão, dependendo do contato que tivermos com algo afim ou dessemelhante". A ligação causal encontra-se no registro da consciência. Já a ligação acausal encontra-se no registro do inconsciente, sem tempo e espaço.
Ainda com relação ao termo sincronicidade Jung assim se refere: "Escolhi este termo, porque a aparição simultânea de dois acontecimentos, ligados pela significação, mas sem ligação causal, me pareceu um critério decisivo. Emprego, pois, aqui, o conceito geral de sincronicidade, no sentido especial de coincidência, no tempo, de dois ou vários eventos, sem relação causal mas com mesmo conteúdo significativo". Conteúdo significativo é a forma de expressar os eventos afins, que separados pela cronologia, só podem se encontrar na paralisação do tempo, na simultaneidade. "Em tais circunstâncias parece que o fator tempo foi eliminado por uma função psíquica, ou melhor, por uma disposição psíquica que é capaz de eliminar também o fator espaço". Essa função psíquica é o inconsciente. Nele o eu, o sujeito, está ausente. Mas nele encontra-se uma forma de inteligência, cujo conhecimento se postula, como diz Jung, como Precognição de alguma espécie. "Não é, certamente, um conhecimento que possa estar ligado ao eu, e, portanto, não é um conhecimento consciente como o conhecemos, mas um conhecimento inconsciente subsistente em si mesmo, e que eu preferiria chamar de conhecimento absoluto. Não é uma cognição do sentido próprio mas, como disse excelentemente Leibniz, uma percepção que consiste - ou, mais cautelosamente, parece consistir - em simulacra (imagens) desprovidas de sujeito".
Comentando a linguagem conceitual, Jung assinala a dificuldade que temos, por estarmos nela imersos, de encontrar uma linguagem que expresse e não comunique conteúdos. Quando não entendemos a linguagem do sonho, interpretamos seu significado. Só é possível falar em sincronicidade fora da linguagem conceitual, no medium acausal da linguagem do nome. Quanto a isso ele assim se refere: "É difícil despojar a linguagem conceitual de seu colorido causalista. Assim, a expressão 'estar na base de', apesar de suas conotações causalistas, não se refere a nada de causal, mas a uma qualidade existente que expressa simplesmente aquilo que ela é, e não outra coisa, ou seja, uma contingência irredutível em si mesma. A coincidência significativa ou equivalência de um estado psíquico que não tem nenhuma relação causal recíproca significa, em termos gerais, que é uma modalidade sem causa, uma organização acausal"(grifos do autor). Essa organização acausal é o que Benjamin chama de configuração, ou a "idéia como configuração": "As idéias são constelações intemporais, e na medida em que os elementos são apreendidos como pontos nessas constelações, os fenômenos são ao mesmo tempo divididos e salvos". E é nessa configuração dos fenômenos que se pode nomear a idéia. Essa nomeação caracteriza o fenômeno de origem, fundação. Referindo-se à obra de arte, Benjamin assim caracteriza esse momento: "Uma obra de arte significativa ou funda o gênero ou o transcende, e numa obra de arte perfeita as duas coisas se fundem numa só". A sincronicidade, configuracão simultânea e instantânea, significativa e acausal, é o fenômeno próprio da origem.
Na terminologia dos primeiros românticos alemães a conexão, fenômeno sincrônico, é chamada de Witz. Seligman-Silva assim define o Witz em uma nota de sua tradução do livro de Benjamin chamado O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão: "Witz...indica não apenas espirituosidade, perspicácia (Scharfsinn em alemão), como também capacidade combinatória (L.N. 89 e 920, A 37, K.A. xVIII, p. 125: 'Witz, ars combinatória, crítica, arte de encontrar, tudo uma mesma coisa'), ou, como afirma Benjamin, síntese (química, no A 366, opondo-se à cadeia de analogias mecânicas do entendimento...)". Benjamin comentando o Witz refere-se a ele como "um contexto medial contínuo, de um medium-de-reflexão dos conceitos. No Witz este medium conceitual aparece, como termo místico, como um relâmpago".
Para Katia Muricy: "A tarefa da filosofia é a de constituir uma linguagem verdadeiramente filosófica, uma arte combinatória de palavras". Essa "arte combinatória" é o Witz. Ainda segundo ela, "o Witz põe em cena a afinidade secreta entre as palavras filosóficas". E cita Schelegel: "Freqüentemente as palavras se compreendem melhor a si mesmas do que aqueles que as usam". E complementa: "Muitos achados do Witz são como reencontros, depois de longa separação de dois pensamentos amigos". Esse "reencontro depois de longa separação", é a base do conceito de conexão, caro a Benjamin e a Jung, e que pressupõe fragmento, sincronicidade, afinidade e configuração. Essa configuração é o que Leibniz, citado por Jung, chamou de, acima citado: "simulacra (imagens) desprovidas de sujeito".
Do site: RUBEDO.
Contato com o autor:
cavalhei@marlin.com.br
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