terça-feira, 30 de agosto de 2011


PINTURA JAPONESA-TOSA MITSUOKI -SÉCULO 17-

Esperança é a coisa com penas - Emily Dickinson
Dickinson, "Hope is the Thing With Feathers"


Hope is the thing with feathers
That perches in the soul,
And sings the tune--without the words,
And never stops at all,
And sweetest in the Gale is heard;
And sore must be the Storm
That could abash the little Bird
That kept so many warm.
I've heard it in the chillest land,
And on the strangest Sea;
Yet, never, in Extremity,
It asked a crumb of Me.

-TRADUÇÃO-
"Esperança" é a coisa com penas

"Esperança" é a coisa com penas
Que se empoleira na alma
E canta um som sem palavras
E nunca, mas nunca, pára,

E mais doce é ouvido no vendaval;
E dura precisa ser a tempestade
Que poderia desanimar o passarinho
Que mantém aquecidos a tantos.

Já o ouvi nas terras mais geladas
E nos mares mais estranhos,
Entretanto nunca, mesmo no desespero,
Ele pediu uma migalha a Mim.

Tradução de Luiz Felipe Coelho

domingo, 28 de agosto de 2011

RUBEM ALVES - TEXTO -


BARROCO HOLANDÊS - JOVEM LENDO À LUZ DE VELA- MATHIAS STOMER -

A solidão amiga
RUBEM ALVES


A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, “parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis“. A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: “Como se comporta a Sua Solidão?“ Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.“ Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim:

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.!“

Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno é o outro.“ Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

“Ó solidão! Solidão, meu lar!... Tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos
poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar.“

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, “certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa – garrafa, prato, facão – era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia.“

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita.“ É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

“...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília...“

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão...

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.

Mas essa conversa não acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz.

(Correio Popular, 30/06/2002)


sábado, 27 de agosto de 2011

PENSAMENTOS DE JUNG



IMAGENS DO LIVRO VERMELHO

PENSAMENTOS DE CARL G. JUNG
Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder prevalece, há falta de amor. Um é a sombra do outro."
"Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a uma compreensão sobre nós mesmos."
"Os instintos são formas típicas de comportamento, e todas as vezes que nos deparamos com formas de reação que se repetem de maneira uniforme e regular, trata-se de um instinto, quer esteja associado a um motivo consciente ou não."
“Erros são no final das contas, fundamentos da verdade.”
"Sua visão se tornará clara somente quando você olhar para dentro do seu coração. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro acorda.”
"Tudo depende de como olhamos para as coisas, e não de como elas são em si mesmas."
"O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas: se alguma reação ocorre, ambos sofrem uma transformação.
"Toda forma de vício é ruim, não importa que seja droga, álcool ou idealismo.”
"Os indivíduos não chegam a uma total autocompreensão enquanto não aceitam seus sentimentos religiosos.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

WALT WHITMANN

FLOR PAPAGAIO - TAILANDIA -





WALT WHITMANN - POEMA

Quero fazer os poemas das coisas materiais,
pois imagino que esses hão de ser
os poemas mais espirituais.
E farei os poemas do meu corpo
E do que há de mortal.
Pois acredito que eles me trarão
Os poemas da alma e da imortalidade."
E à raça humana eu digo:
-Não seja curiosa a respeito de Deus,
pois eu sou curioso sobre todas as coisas
e não sou curioso a respeito de Deus.
Não há palavra capaz de dizer
Quanto eu me sinto em paz
Perante Deus e a morte.
Escuto e vejo Deus em todos os objetos,
Embora de Deus mesmo eu não entenda
Nem um pouquinho...
Ora, quem acha que é um milagre alguma coisa demais?
Por mim, de nada sei que não sejam milagres...
Cada momento de luz ou de treva
É para mim um milagre,
Milagre cada polegada cúbica de espaço,
Cada metro quadrado de superfície
Da terra está cheio de milagres
E cada pedaço do seu interior
Está apinhado de milagres.
O mar é para mim um milagre sem fim:
Os peixes nadando, as pedras,
O movimento das ondas,
Os navios que vão com homens dentro
- existirão milagres mais estranhos?"
Walt Whitmann



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

BORGES- UMA DICA DO GOOGLE -


NATUREZA MORTA- CARMO SOÁ -


HOLANDA-MATHIAS STOMES-

As coisas
Jorge Luis Borges


A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
Violeta, monumento de uma tarde
Sem dúvida inesquecível e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que nos fomos num momento.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

MAIS MANOEL DE BARROS




PÁSSAROS ESTILO JAPONÊS - R. MENEGHINI -

MANOEL DE BARROS

"Um passarinho pediu a meu irmão para ser árvore.
meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol,
de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore, aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casa vazia de cigarra,esquecida no tronco
das árvores só serve para poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores
são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão
se transformara,envaidecia-se quando era nomeada para o
entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os
lírios deixavam nos brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
porque fez amizade com as borboletas".

sábado, 20 de agosto de 2011

Poemas


MARINHA COM BARCO-CASTAGNETO-BRASIL -

Cecília Meireles:
"Desejo de regresso"


Deixai-me nascer de novo,
nunca mais em terra estranha,
mas no meio do meu povo,
com meu céu, minha montanha,
meu mar e minha família.

E que na minha memória
fique esta vida bem viva,
para contar minha história
de mendiga e de cativa
e meus suspiros de exílio.

Porque há doçura e beleza
na amargura atravessada,
e eu quero memória acesa
depois da angústia apagada.
Com que afeição me remiro!

Marinheiro de regresso
com seu barco posto a fundo,
ás vezes quase me esqueço
que foi verdade este mundo.
(Ou talvez fosse mentira...)



MEIRELES, Cecília. "Mar absoluto

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

POEMAS


CASAL SE ADMIRANDO - MARC CHAGALL -

Tão sutilmente em tantos breves anos
Lya Luft


Tão sutilmente em tantos breves anos
foram se trocando sobre os muros
mais que desigualdades, semelhanças,
que aos poucos dois são um, sem que no entanto
deixem de ser plurais:
talvez as asas de um só anjo, inseparáveis.
Presenças, solidões que vão tecendo a vida,
o filho que se faz, uma árvore plantada,
o tempo gotejando do telhado.
Beleza perseguida a cada hora, para que não baixe
o pó de um cotidiano desencanto.

Tão fielmente adaptam-se as almas destes corpos
que uma em outra pode se trocar,
sem que alguém de fora o percebesse nunca.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

POETAS



TEXTO DE GIBRAN KALIL GIBRAN
" Vossos corações conhecem, em silêncio, os segredos dos dias e das noites.
Mas vossos ouvidos têm sede de ouvir o saber de vossos corações.
Desejais conhecer, em palavras, o que sempre soubestes em pensamento.
Desejais tocar, com vossos dedos, o corpo desnudo de vossos sonhos.
E é bom que assim seja.
A fonte oculta de vossa alma precisa brotar e correr, murmurante, até o mar.
E assim seria revelado aos vossos olhos o tesouro de vossas profundezas infinitas.
Mas que não haja medida para vosso tesouro desconhecido;
E não deveis sondar as profundezas de vosso conhecimento com cajado e bordão.
Pois o Eu é um oceano imensurável e sem fronteiras.
Não dizei: " Encontrei a verdade", mas sim: " Encontrei uma verdade."
Não dizei:" Encontrei o caminho da alma." Dizei: " Encontrei a alma enquanto seguia meu caminho."
Pois a alma segue todos os caminhos.
A alma não caminha sobre uma linha, nem cresce como junco.
A alma desdobra-se, como um lótus de inúmeras pétalas."

terça-feira, 16 de agosto de 2011

poemas


foto: campos de lavanda na provence

Parâmetro
Adélia Prado

Deus é mais belo que eu.
E não é jovem.
Isto sim, é consolo.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011


MARC CHAGALL- O VIOLINISTA AZUL-

CASA
ROSEANA MURRAY

Retiro o lastro da casa,
suas raízes na terra,
corto as amarras, as cordas,
tudo o que pesa se esvai.

Deixo que a tarde
com seu ar azul,
inunde a casa de luz,
retiro dos quatro cantos
a dor acumulada,
as flores mortas
e então, livre de todo o peso,
o relógio bate apenas
as horas de alegria
e em volta da mesa
todos os que partiram,
os que ficaram,
entrelaçam as mãos.

A casa voa.

In Roseana Murray – Poemas para ler na escola,
Ed. Objetiva, 2011

quarta-feira, 10 de agosto de 2011


TAMARA DE LEMPICKA - "DORMEUSE" -

OS ANOS PASSAM E NÃO ME CANSO DESSAS PALAVRAS...
Metade
Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito, a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que amo seja pra sempre amada mesmo que distante
Porque metade de mim é partida, a outra metade é saudade.
Que as palavras que falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço, a outra metade é o que calo.
Que a minha vontade de ir embora se transforme na calma e paz que mereço
Que a tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso, a outra metade um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
E o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita meu rosto num doce sorriso que me lembro ter dado na infância
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito
E que o seu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo, a outra metade é cansaço.
Que a arte me aponte uma resposta mesmo que ela mesma não saiba
E que ninguém a tente complicar, pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia a outra metade é canção.
Que a minha loucura seja perdoada porque metade de mim é amor
e a outra metade também

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

POETAS


MULHER AO ESPELHO - TICIANO - RENASCIMENTO ITALIANO -

TRADUZIR-SE
FERREIRA GULLAR

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?
De Na Vertigem do Dia (1975-1980)

sábado, 6 de agosto de 2011

GRANDES PENSADORES


- ARTE PERÍODO NEOLÍTICO-

ESTUDAMOS UM POUQUINHO DE JAMES HILLMAN EM NOSSOS ENCONTROS
COM A ADRIANA. ENCONTREI ESTA ENTREVISTA, E APESAR DE NÃO SER
RECENTE, ACHEI PERTINENTE POSTÁ-LA AQUI.

O HOMEM QUE LEU A ALMA
James Hillman, o célebre discípulo de Jung, diz que a biografia humana é mais
que a "história de uma vítima" e que é possível vencer a determinação do destino
Por Elisa Byington, de Roma

Esta entrevista com James Hillman, realizada por Elisa Byington, foi publicada na edição de julho de 1999 da revista República.

As almas em seus carros alados, quando antes de encarnar, chegam a um grande descampado, dão uma olhada para o alto. Contemplam em seus pedestais, a Justiça, a Beleza, o Pensamento, a Temperança, o mundo das idéias eternas e imutáveis, que ficam na "planície da Verdade", diz Platão. Logo em seguida, elas escolhem o que vai ser a "sua vida efêmera", à qual permanecerão ligadas por obra de Necessidade. Deusa caprichosa, ela, que tece seu fuso, e suas filhas, as temidas Parcas, cortam o fio da existência quando querem. Bebendo no rio do Esquecimento, prossegue o mito, perdemos a memória dessa escolha inicial de nossas almas - sem culpa nem responsabilidade de ninguém mais - cujo vínculo permanece no daimon, nosso guia e destino ao mesmo tempo.
Aos 73 anos, último discípulo direto de C. G. Jung, o célebre psicólogo James Hillman faz apelo a essa história antiga para afirmar que nossa biografia "não pode ser a história de uma vítima". Rebelando-se contra a idéia de que somos frutos de um código genético, de heranças ancestrais ou de acontecimentos traumáticos da nossa infância, ele afirma que o mito é ainda o lugar que nos permite "pensar com o coração e raciocinar com a alma", e assim encontrar o fio que une os pedaços esparsos da nossa existência.
Polêmico e poliglota, passeando sem inibições pelas principais línguas européias, o americano James Hillman era pouco mais de um enfant prodige quando se tornou diretor de estudos do Jung Institut em Zurique, na Suíça, no início dos anos 60. Hoje, autor consagrado e conferencista brilhante, o ex-diretor do instituto arranca aplausos entusiasmados das platéias fustigando os erros da psicologia moderna, lutando pelo direito de cidadania das imagens primordiais na nossa consciência e pelo papel da imaginação.
Hillman convida-nos a olhar além das teorias físicas, genéticas e psicológicas e a perceber a linguagem cifrada que tantas vezes nos faz agir sem sabermos por quê. Seria esse O Código da Alma - título mais recente da sua obra de mais de 20 livro - que encerra "o segredo de nossa individualidade". Um desenho primordial do qual às vezes temos breves visões, ouvimos os "chamados", segundo os quais fazemos as escolhas que determinam nossas vidas. Lidando com um repertório cultural vastíssimo - da filosofia antiga ao hermetismo renascentista, da poesia às artes do nosso século -, Hillman escreve um livro bem-humorado e acessível, que não obstante sua complexidade, virou um best seller. Em vez dos obscuros casos clínicos de praxe, o genial psicólogo lança mão da biografia de personagens tão famosos quanto John Lennon ou Jackson Pollock com o intuito de tornar mais evidente ao comum mortal as manifestações da vocação e do destino. Gaba-se de ter escrito um livro de psicologia sem a palavra problema nem outros "agentes poluentes" da linguagem psicológica corrente.
Em Ferrara, no norte da Itália, em um congresso sobre o imaginário contemporâneo, aonde fomos encontrá-lo, Hillman chamou atenção para a "iconoclastia puritana" em ação na língua americana, que impõe ao mundo seu modelo e domínio. Atuando com uma impiedosa simplificação lingüística, tal iconoclastia em ação prevê a abolição das figuras de retórica, das imagens poéticas, dos adjetivos, dos advérbios e de tudo o que introduza beleza, humor, ironia, nuances ou ambigüidade, dando lugar a uma linguagem aparentemente objetiva, com tendência crescente ao vazio das abreviações.
Apesar do perfil de intelectual europeu, a verve apaixonada assim como o saudável otimismo que o caracterizam talvez não existissem caso não se tratasse de um habitante do Novo Mundo. Confessando o desprazer de dar entrevistas, ele acabou cedendo, mas fez questão de sublinhar: "Não se explicar minhas idéias melhor do que faço nos livros". A seguir a entrevista exclusiva concedida por Hillman a República.

República: O Código da Alma começa dizendo: "Há mais coisas nas nossas vidas do que admitem nossas teorias sobre ela". Ecoando Hamlet, o sr. nos convida a romper com os estreitos parâmetros do moderno racionalismo e põe no banco dos réus a psicologia moderna.
James Hillman: Exato. A psicologia moderna não está cumprindo sua missão. Então eu quero devolver à psicologia algo do seu senso comum e de suas raízes antigas O que quer dizer mais ou menos a mesma coisas: senso comum e raízes antigas. A psicologia tornou-se excessiva, hipervalorizada. Provocou um exagero de introspecção subjetiva. É preciso recuperar a conexão ecológica com o mundo. Voltar a perceber o que nos circunda, em vez dessa permanente auto-referência, da exagerada sensação de importância do indivíduo dada pela psicologia. Chorar no quarto de seu namorado quando deixa você ou porque sua mãe ou seu pai não a amam o bastante… Você pensa que isso é tão importante? Não, não é tão importante. Esse é o problema da psicologia: inflacionou os indivíduos e os sentimento individuais.

Pensei que seu livro fosse sobre o indivíduo.
Certamente. Mas não sobre o indivíduo psicológico, no sentido habitual. É sobre a importância de o indivíduo encontrar seu próprio destino, estar em contato com sua própria personalidade, o que não é absolutamente a mesma coisa que exagerar a subjetividade. As pessoas estão sempre fazendo alguma coisa. Não só meramente pensando sobre si próprias.

Acreditar que temos um destino tão singular e distinto dos outros … Isso não parece um tanto pretensioso, coisa para os grandes gênios da humanidade?
É a razão para estarmos vivos. Penso que o mundo coletivo, o mundo onde vivemos, não dá a ninguém uma razão para estar vivo. A idéia darwiniana de evolução das espécies, por exemplo, não fornece nenhuma razão para isso. Para a Igreja Católica, estar vivo é condição para que você possa ir para o céu (risos). Não me parece razão suficiente para estar vivo. Mas o sentido de possuir um daimon que quer que você faça alguma coisa, seja uma determinada pessoa, dá um sentido para estarmos vivos. trata-se de uma questão de fundamental importância com a qual a psicoterapia não soube lidar. Por que estamos aqui?
"As pessoas sofrem por idéias. Conseguindo fazer algumas mudanças nas suas idéias, elas se libertam"
O sr. voltou aos gregos para encontrar essa explicação.
Voltei à história de Platão, ao mito Er que ele expõe no final da República. Diz que a alma de cada um de nós escolhe uma imagem ou desenho que depois será vivido aqui na Terra. Nossa ligação com aquele desenho original é um companheiro chamado daimon, o nosso destino. É um guia único, diferente de todos os outros. Olhando nossa biografia por meio do mito, somos levados a percebê-lo por meio das idéias de vocação, alma, daimon, destino, necessidade. São elas que nos abrem aos pouco o sentido das nossas vidas.

Os gregos sabiam de tudo?
Lógico que não. Essa história é universal. A idéia de que você vem ao mundo com um daimon ou um anjo, de que os anciãos da tribo olham para os jovens para ver o que de especial eles trazem, ou qual a direção desses novos espíritos, é conhecida em outras culturas. Mas os gregos a apresentaram de modo mais claro, mais bem articulado. É este o valor dos gregos: terem feito as coisas tão bem! Não fizeram tudo, mas fizeram tão bem!

Referindo-se ainda aos gregos, o sr. comenta uma frase de Jung dizendo que, na nossa cultura, "os deuses viraram doenças".
É uma das principais idéias de Jung e significa que, na procura pelos deuses, não é necessário ir à igreja, mas ter consciência das nossas profundas inquietações, do que nos move. Ele chama Deus àquele que indica seu caminho e faz você parar, pensar e criar uma solução apropriada. Deuses no lugar de meros sintomas, tragédias, insucessos.

Para explicar suas idéias sobre a psicologia, em O Código da Alma, em vez dos habituais casos clínico, o sr. lança mão da biografia de personagens famosos. Como chegou a essa decisão tão pouco ortodoxa?
As pessoas fora do comum tornam mais visível aquilo que nós comuns mortais não conseguimos ver. Por isso as autobiografias são um gênero tão apreciado. Eu as utilizo não com o intuito de admirar personalidades, mas como um observatório privilegiado para ver as manifestações do destino: de que modo ele chega e se revela; o que ele pretende das pessoas.

A revelação do daimon, do gênio, do anjo ou da vocação é mais clara durante a infância?
Nas histórias que eu conto, e em milhões de outras, os vislumbres de uma vocação ocorrem durante a infância. Mas isso não significa que depois o percurso seja linear. Na infância, podemos ver melhor os sintomas, as atitudes que podem ser reveladoras.
"Milhares de jovens ainda querem ser psicólogos, um desastre. Há coisas mais necessárias"
O sr. usa as biografia de Judy Garland e Josephine Baker como exemplos opostos de daimon. A primeira sucumbiu ao próprio destino. A segunda, depois de todos os excessos da carne, passa a viver uma vida de dedicação ao próximo.
Trata-se da idéia de crescer para baixo (literalmente, growing down). Saber discernir e crescer dentro da vida. Como a árvore da cabala na tradição mística hebraica e cristã, meu modelo de crescimento imagina as raízes no céu com uma descida gradual para as coisas humanas.

Mas e toda a privação por que passa Josephine Baker no fim da vida? É a idéia de realização como redenção…
Acho que você está vendo isso com um olhar católico. Não vejo de modo penitencial o fato de que ela tenha perdido os cabelos, conseqüência das luzes e da vida que viveu antes. Acontece a muitos atores de Hollywood. Perdem o cabelo por causa das luzes. Betty Grable, por exemplo. Mas foi o processo de crescer para baixo, dentro da humanidade comum, que a fez, no fim, lutar pela causa negra, sustentasse 11 crianças e abandonasse a celebridade. Coisa que a Judy Garland nunca conseguiu, e foi trágico. Ela foi derrubada pelo daimon. Sofrimento? Ambas sofreram.

Pensei que a lição de Josephine Baker pudesse soar como algo moralista, não?
Não acho moralista, considero-a trágica. Judy Garland não podia parar porque ela estava identificada como o daimon, possuída. Continuou a representar e a cantar Somewhere over the Rainbow (Algum Lugar Além do Arco-Íris), caindo no palco, desesperada bebida e bolinha. Josephine Baker teve alguma atuação, mexeu com coisas no mundo que a salvaram de ficar obcecada pelo daimon.

Então, o daimon não é algo que recebemos já pronto. É algo ainda a ser realizado.
É dado, mas não de um modo absoluto. É sempre você. É o daimon, mas é você. A vida é essa relação. A forma como você vive define esse algo que está em você. Judy Garland era possuída por aquela força. Não tinha alternativa.

As idéias de vocação e destino mexem diretamente com nossa noção de livre-arbítrio. Afinal, somos ou não somos responsáveis por nossas vidas?
Acho que a distinção entre fado (sina, destino) e fatalismo pode ajudar a compreender. Fatalismo é acreditar no fado. Os gregos não usavam a palavra acreditar, que é uma palavra cristã, vem de credo: creio em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. O fado é a percepção de que há algo a mais no mundo que afeta a minha vida. Fatalismo é, como todos os "ismos", uma coisa mais fácil: "Não posso fazer de outro modo. O destino assim quis". São sentimentos muito diferentes, ainda que sejam próximos. O fado faz você refletir sobre a sua vida. O fatalismo diz que você não tem nenhum controle sobre ela.

O sr. declara que quer fazer a psicologia regredir 200 anos. Voltar ao momento em que o entusiasmo romântico desmantelava a Idade da Razão.
Os românticos tomavam muito seriamente o sentido de "chamado", que significa: diga-me o que almeja (longing to, no original) e eu lhe direi quem é. Não é: diga-me o que faz; mas perguntar qual é o seu desejo, o désir da moderna poesia francesa, desiderio, em italiano. O que é muito diferente de perguntar "o que lhe aconteceu quando era criança"? Por exemplo, os meninos do Colorado que mataram os colegas de escola: alguém perguntou a eles o que eles desejavam, o que imaginavam? Basta de cálculos estatísticos e classificações diagnósticas.

É o papel do imaginário na nossa vida cotidiana, é isso?
Essa é a razão de ser deste encontro aqui em Ferrara. É muito importante focalizar a imaginação contemporânea. Na escola, por exemplo, precisamos abandonar a matemática por instante. Continua-se a justificar o ensino da matemática para crianças pequenas dizendo-se que treina o cérebro. Mas treina o quê? Treina as mentes para fazer certos tipos de raciocínios que falsificam o mundo sensível. Esse é o grande problema. Trata-se logicamente de razões tecnológicas, comerciais, econômicas. E o que acontece com a imaginação? O que está acontecendo com as crianças? Por que elas hoje se suicidam como jamais fizeram antes? Por que elas estão matando nas escolas? O que elas querem? Por que a poesia, a arte, a dança foram cortadas da programação escolar? Porque não são consideradas economicamente importantes.

Ao mesmo tempo vive-se em um mundo de fantasia, videogames, realidade virtual.
Mas é uma imaginação que copia a violência, copia a tecnologia, sem desenvolvimento de uma estética. É importante o sentido de beleza. O que essas crianças estão fazendo é imaginação sem treinamento, sem oportunidade de desenvolvê-la adequadamente.

O sr. hoje ainda pensa em termos de terapia? Considera-se um psicanalista?
Felizmente estou salvo (risos). Não tenho mais que receber pacientes. Sou um terapeuta das idéias. As pessoas sofrem por idéias. Conseguindo fazer algumas mudanças nas suas idéias, elas se libertam. Hoje há um movimento para que os problemas sejam abordados como filósofos e não como problemas psicológicos pessoais. A morte, o dinheiro, o valor, as prioridades, o amor, a moralidade, a solidão e a depressão são problemas filosóficos profundos, não são exclusivamente pessoais. É preciso falar deles de um ponto de vista filosófico. No Brasil, os jovens não estudam filosofia na escola, não é verdade? Como nos Estados Unidos. Nossos países privilegiaram a psicologia e a sociologia.

No fim do livro As Palavras e as Coisas, Michel Foucault anunciava que o homem, como matéria de estudo científico, era um objeto recente cujo fim estaria próximo. Referia-se ao nascimento da psicologia e das ciências humanas no fim do século XVIII.
Acho que há tantos jovens que ainda querem ser psicólogos… Milhares ainda se inscrevem nas faculdades de psicologia. O que é um desastre, pois não ajuda a sociedade. Estamos em um planeta muito difícil do ponto de vista ecológico, moral, ético. Há muitas coisas mais difíceis no mundo do que estudar psicologia. E muito mais necessárias.
"O sofrimento tem a ver com a ignorância no sentido socrático. Nem Freud queria cancelar o sofrimento"
Mas o sr. não acha que ajuda as pessoas nas dificuldades, no sofrimento…
Sinceramente, não. Acho que o sofrimento tem a ver com tragédia, tem a ver com ignorância, no sentido socrático. Porque, se não existe um entendimento mais profundo da tragédia, da ignorância, a terapia acaba fazendo o que a farmacologia faz: leva embora a dor de cabeça, leva embora a depressão, leva embora a importância, a obsessão. Não quero cancelar o sofrimento. Nem mesmo Freud queria. Em um certo nível, a psicologia ajuda. Seu marido foi embora de casa, e você está desesperada e não tem com quem falar… Mas por que ir a um profissional? É preciso restabelecer as relações que contemplem esses aspectos.
"Os pais têm com os psicólogos a mesma atitude de quem leva o carro ao mecânico"
Mas e o papel ancestral desempenhado pelos sábios, pelos oráculos, pelos xamãs nas tribos?
Isso é bobagem. Os psicólogos que vão à universidade não são xamãs. A psicologia clínica mantém os problemas da alma no reino do humanismo secular. Como se fossem só problemas mecânicos. Quando os pais levam uma criança para um instituto, têm com as psicólogas profissionais a mesma atitude de quem leva o carro para o mecânico: quando volto para buscar?, quanto vai durar?, quanto vai custar (risos)? O que é isso numa sociedade? As crianças estão tão desesperadas. Não é significativo que 20% das crianças em idade escolar tenham problemas de asma? Como deve se sentir um ser de 8 anos de idade que não consegue respirar por causa da poluição, por causa dos problemas econômicos e sociais do capitalismo? E então? Vou para a terapia e digo que me sinto sufocado, que minha mãe não me deixa respirar. Quem vai ajudar as crianças? Olhe para as ruas do Brasil. Parece um pesadelo.

O sr. foi um discípulo direto de Jung. Como considero suas idéias em relação ao velho mestre?
Muito próximas. Jung dizia que a psique é feita de imagens. Ele sempre se interessou por comportamentos que são fora do comum, pelo problema do início em todas as cultura. No Egito, no Livro Tibetano dos Mortos, ele estava interessado nas imagens, não nos sintomas das pessoas. Teorizou os arquétipos, que eram originalmente mitos. Estou interessado exatamente nas mesmas coisas. A diferença está na minha posição em relação a sua teologia cristã. Jung tinha uma teologia da qual me sinto distante. Eu o sigo como psicólogo. A base de meu pensamento é fortemente devedora a Jung.

É particularmente difícil a parte do seu livro sobre o mal.
A "semente má". Acho que na nossa cultura falta imaginação sofisticada sobre o aspecto destrutivo. Não entendemos essas crianças no Colorado, não entendemos Milosevic ou a menina de 11 anos que mata o menino de 4, não sabemos imaginá-los. Falamos do Holocausto para falar de Hitler. Mas Hitler é o verdadeiro mistério. O que é extraordinário é a possibilidade de fazer que os alemães e grande parte dos europeus fizessem a mesma reverência. O que é isso? Nesse capítulo, eu me proponho a pensar sobre o mal. Há muitas teorias. Alguns dizem que é o diabo, outros que é uma deformação genética, todos tem teorias. Não estou interessado nelas. A questão é pensar sobre o assunto. Imaginar essa parte da vida que, se não pensarmos por medo ou por ânsia negar, vamos acabar queimando alguém.
"A psicologia exagerou a introspecção subjetiva. É preciso recuperar a conexão ecológica com o mundo"
República on line: http://www.revrepublica.com.br

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

POESIA


"A LIBERDADE GUIANDO O POVO"
DELACROIX - ROMANTISMO FRANCÊS -

PAUL ÉLUARD
FOI UM POETA FRANCÊS,GRANDE IDEALISTA,
CONTEMPORÂNEO DE PICASSO E DALÍ.SUA ESPOSA GALA
SEPAROU-SE DELE PARA FICAR COM
DALÍ, DE QUEM FOI A GRANDE PAIXÃO.

POEMA DE PAUL ÉLUARD

Nos meus cadernos da escola
Na minha carteira nas árvores
Sobre a areia e sobre a neve
Escrevo o teu nome

Em todas as páginas lidas
Em todas as páginas em branco
Pedra sangue papel ou cinza
Escrevo o teu nome

Na selva e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
Na memória da minha infância
Escrevo o teu nome

Em cada raio da aurora
Sobre o mar e sobre os barcos
Na montanha enlouquecida
Escrevo o teu nome

Na saúde recuperada
No perigo desaparecido
Na esperança sem lembranças
Escrevo o teu nome

E pelo poder de uma palavra
a minha vida recomeça
Eu renasci para conhecer-te
Para dizer o teu nome

Liberdade.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

MAIS UMA DICA DO GOOGLE

PROJETO JARDIM PALÁCIO CAPANEMA - RIO -
BURLE MAX

Burle Marx
(Arquiteto, paisagista e artista plástico brasileiro)
4-8-1909, São Paulo
4-7-1994, Rio de Janeiro



Numa época em que os paisagistas brasileiros viam apenas rosas e cravos importados da Europa, Roberto Burle Marx descobria qualidades nas plantas do Brasil. Com intuição e sensibilidade, cuidou da vegetação de sua casa, no morro do Leme, no Rio de Janeiro, modelando formas e texturas das plantas para compor um jardim. Mais tarde, tornou-se conhecedor de fisiologia e comportamento das plantas, coletando e catalogando muitas espécies durante expedições pela floresta tropical. Elaborou projetos paisagísticos e urbanísticos como a orla marítima em Copacabana e o jardim em Botafogo. Filho de imigrantes europeus, Burle Marx estudou Canto e Pintura em Berlim (1928-1930). De volta ao Rio de Janeiro, ingressou na Escola de Belas-Artes, iniciando a carreira de pintor. Com a pintura, atividade que jamais abandonou, conseguiu técnica, disciplina e clareza na organização do espaço. No início dos anos 30, foi convidado pelo arquiteto Lúcio Costa a realizar seu primeiro trabalho paisagístico: a residência Schwartz, em Copacabana, no Rio de Janeiro (1932). Como diretor do Departamento dos Parques e Diversões do Recife (1934-1937), construiu o primeiro jardim ecológico do Brasil. Em 1930, novamente com Lúcio Costa, elaborou jardins e terraços do prédio do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro, marco da moderna arquitetura brasileira. Com Oscar Niemeyer, trabalhou nos jardins do conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais (1942). Fez, ainda: o espaço zoológico do Jardim Botânico (1946), a urbanização e aterro do Parque do Flamengo (1961) e o Museu de Arte Moderna (MAM), no Rio de Janeiro (1954); o Parque do Ibirapuera, em São Paulo (1953); jardins, terraços e tapeçaria para o Palácio do Itamaraty (1965), em Brasília; pátios internos da sede da Unesco em Paris (1963); o Parque de Las Americas, no Chile; os jardins da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York; entre muitos outros trabalhos.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011


MONET- PAPOULAS-

A INVENÇÃO DE UM MODO
ADÉLIA PRADO


Entre paciência e fama quero as duas,
pra envelhecer vergada de motivos.
Imito o andar das velhas de cadeiras duras
e se me surpreendem, explico cheia de verdade:
tô ensaiando. Ninguém acredita
e eu ganho uma hora de juventude.
Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa,
a menina disse: "Ora, isso é pras mulheres de São Paulo"
Fico entre montanhas,
entre guarda e vã,
entre branco e branco,
lentes pra proteger de reverberações.
Explicação é para o corpo do morto,
de sua alma eu sei.
Estátua na Igreja e Praça
quero extremada as duas.
Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando,
vendo televisão,
ou tirando sorte com quem vou casar.
Porque que tudo que invento já foi dito
nos dois livros que eu li:
as escrituras de Deus,
as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão.