sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011


Moça com brinco de pérola - Vermeer

O Meu Olhar
Alberto Caeiro


O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011


VIK MUNIZ-NARCISO AFTER CARAVAGGIO-


RECEITA DE OLHAR
ROSEANA MURRAY

NAS PRIMEIRAS HORAS DA MANHÃ
DESAMARRE SEU OLHAR
DEIXE QUE SE DERRAME
SOBRE TODAS AS COISAS BELAS.
O MUNDO É SEMPRE NOVO
E A TERRA DANÇA E ACORDA
EM ACORDES DE SOL.
FAÇA DO SEU OLHAR IMENSA CARAVELA.

VER E OLHAR
ELIANA MIRANZI
– FEVEREIRO/2011
Há uma enorme diferença entre estes dois verbos. Muito já foi pensado e falado sobre isso, ao longo da História. Esta questão é tão antiga quanto o homem. Mas, às vezes, percebo que ainda não aprendemos.
Ver e Olhar são dois tipos de ações. Duas atitudes distintas. E nunca precisamos, tanto quanto no mundo atual, de saber distinguir estas duas funções próprias do ser humano.
Nosso mundo é cada vez mais povoado de imagens. Banalizamos o Olhar, de tanto Ver.
Ver é função primária, orgânica, física. É um movimento rápido dos olhos. Ver é duro e reto. Superficial. A visão é calada, muda. É uma flechada, um raio. Vemos e seguimos em frente. Vemos, e nem vimos que vemos.
Olhar requer um pouco mais. Leva à reflexão, conduz ao pensamento, ensina-nos a considerar, contemplar, ponderar. Treina nossa atenção e leva tempo, demora. Olhar faz-nos debruçar sobre as imagens com calma. Assim somos capazes de enxergar no objeto observado, pequenos recortes, pedaços, sutilezas, o outro lado da questão, as minúcias. Depois disso, somos capazes de reintegrar novamente esses pedaços ao todo, como num mosaico, e o que então vemos é novo para nós, apesar de já ter sido visto anteriormente.
Nosso olhar passeia, vai e volta, faz curvas, sobe e desce. É um caminhante, um peregrino, andarilho, em busca de detalhes. Pede sensibilidade e paciência. Pede abertura de mente e alma. E possui o dom da eloquência.
Eu mudo e me transformo quando aprendo a olhar. Assim como muda também aquilo que olho. Olhar bem, olhar profundo requer deixar de lado pré-conceituações, para ser capaz de conhecer o novo, aquilo ainda não percebido. O que é sutil, aparentemente invisível, o mistério das coisas. O que, antes velado, agora se revela.
Aprender a OLHAR nos ensina a compaixão. Basta olhar o outro... ou dentro de nós mesmos.
O mundo das artes é um esplêndido campo de experiências para o olhar. É, basicamente, uma cartilha para nossos olhos analfabetos, iletrados.
Tomemos posse disso; façamos das artes nosso local de treinamento.
Na arte contemporânea, destacadamente, entro ou não, dependendo do meu aprendizado de olhar. Pois ela não é só para ver; ela é feita para ser pensada, para sentir, experimentar, envolver-se, questionar. Para assim, depois, voltar a ver. Com outros olhos. Já diplomados.
E o que vejo e guardo, apreendo e absorvo, agora é meu. Passo a ter co-autoria nesta obra. Torno-me artista. Um criador de olhares.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

EROS


EROS E PSYCHE
BOUGERAUX


EROS E A NATUREZA/ O HUMANO E A ALMA.
O antigo deus grego Eros, em Roma chamado Cupido, é o deus do amor. Filho de Afrodite, a deusa da beleza, Eros é um menino alado, que porta consigo arco e flecha, com os quais atinge os corações dos humanos, fazendo-os despertar para o amor. E onde há Amor, não há erro...
Eros tem a capacidade de ampliar a potência e a energia de nossos sentidos, tornando-nos abertos para tudo o que nos rodeia, permeando todas as atitudes do nosso dia a dia.
Assim, o cheiro de uma comida bem feita, o perfume do jasmim, a vista no topo de uma montanha, ou uma paisagem marinha, o som de chuva branda no telhado, o canto de um sabiá, o sabor de um pêssego maduro, a suavidade que sentimos ao tocar com os dedos na seda, ou numa pétala de rosa, são eróticos, isso é, têm o toque de Eros.
Esse arquétipo serve de referência para nomear um estado de ânimo (alma, vida) especial, cheio de encanto e prazer. Ele habita aquilo que fazemos com paixão e capricho com os detalhes. E o poder de Eros vai além: ele aproxima os seres, atrai, une, sendo, portanto, responsável pela procriação. Vai mais longe: mistura, multiplica as espécies de vegetais, minerais, líquidos e animais. Enfim, de toda a criação. É o deus da união, da afinidade, da empatia, da agregação.
Eros gosta da Paz. Não tem pressa.
É gentil e cuidadoso, sensorial e atento.
Quer todo o universo numa só sintonia. Nenhum ser pode escapar de sua força. Eros é invencível. E pode nos levar ao êxtase. Ele traz prazer na contemplação, na união de opostos, faz aflorar nossos mais ricos sentimentos. Conduz à temperança e concórdia. Dizem que Eros é jovem e, portanto, flexível, maleável. Isso o permite moldar-se e penetrar em todos os corações e almas, para ali morar. Só não entra em corações demasiadamente endurecidos, em almas já empedernidas. Não chega onde a ansiedade e a distração habitam. Nada tem a ver com a vulgaridade e a banalização do amor. Não acha conforto no egocentrismo, na avareza, na vaidade, indiferença ou frieza. Eros demanda presença de corpo, mente e coração. Quer o ser uno, total. Sem divisões. Centrado, equilibrado, verdadeiro. Aguça a curiosidade, trazendo alegria ao aprendizado e a vontade de sempre saber e conhecer mais. Estudar também pode ser Erótico... Ler Erotiza... Sendo a origem do maior de todos os prazeres e fonte de toda criação (criação=Poiesis, em grego, daí a palavra poesia), Eros, que ama tudo aquilo que é Belo e Harmonioso, nos conduz às Musas, divindades das Artes, fontes de inspiração, alimento da imaginação e criatividade. Quando este arquétipo domina nossa alma, aí tem vida, aí há raízes e frutos, aí nasce a mais antiga e necessária ligação do ser: ligação com tudo aquilo que há de mais profundo e ancestral na Mãe Natureza: o ambiente sagrado propício para a geração de mais e mais vida.
Eros está presente: em nossos desejos, no imaginário, no amor e amizade, na ligação dos sentidos com o externo, no carinho e solidariedade, no prazer e na capacidade de enxergar a vida de diferentes ângulos. Na poesia do universo, captada por um sexto sentido proveniente dele próprio; assim como no lúdico e no lírico, em toda a natureza, nas trocas de afeto e no riso. Na tolerância, compreensão e compaixão; nos momentos de silêncio e paz interior. No “conhece-te a ti mesmo”... Na Alma Humana.
Eliana R. da Cunha Miranzi.
(baseado em artigo da revista “Bons Fluidos”).
Uberaba, abril/2008.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

mnemosine


AS NOVE MUSAS - FILHAS DE MNEMOSINE-


ENCONTRO COM MNEMOSINE
ELIANA MIRANZI
PARA ESTAR NOS BRAÇOS DE MNEMOSINE, A DEUSA DA MEMÓRIA, É PRECISO FICAR ENTREGUE, DESVELADA, DESMASCARADA, DESNUDADA.
MNEMOSINE FUNDE OS TEMPOS: PASSADO, PRESENTE E FUTURO FLUEM EM UMA SÓ SINTONIA. CRIANÇA, JOVEM, ADULTO, TODOS NA MESMA CADÊNCIA, NUMA SÓ PESSOA: EU.
MÃE DA HISTÓRIA, DAS POESIAS, MÚSICA, DANÇA E TODAS AS ARTES. SUAS NOVE FILHAS NOS ENVOLVEM EM SEUS LAÇOS E FITAS, SUAS RENDAS E TRAMAS, CONVIDANDO-NOS A OLHAR, VER, REPARAR O INVISÍVEL, O OCULTO, O QUE ERA ANTES POR NÓS CONSIDERADO IRRECUPERÁVEL, IRREPARÁVEL.
OLHEI, VÍ, REPAREI, SEGUNDO O CONSELHO DE SARAMAGO.
A HISTÓRIA É IRMÃ DAS ARTES – TODAS FILHAS DA MEMÓRIA – PORTANTO SÓ FAZEMOS HISTÓRIA RECUPERANDO MEMÓRIAS. SÓ FAZEMOS OU APRECIAMOS A ARTE COLETANDO MEMÓRIAS. MUITAS VEZES, SENSORIAIS, INSTIGADAS POR UM PASSEIO EM NOSSOS PORÕES E SÓTÃOS. REMEXENDO OS BAÚS, FOLHEANDO VELHOS ÁLBUNS.
AS ARTES PRESERVAM MEMÓRIAS E AO MESMO TEMPO, O ARTISTA AUXILIA A HISTÓRIA A FIXAR OS FATOS E AMPARA-SE NELA, IRMÃ MAIS VELHA DE SEU FAZER, PARA PODER CRIAR. AS MUSAS FALAM, COCHICHAM,SOPRAM...
CADA VIDA, ASSIM VISTA NOS BRAÇOS DE MNEMOSINE, É UMA OBRA DE ARTE PERFEITA. TEM FORMAS, CONTORNOS, CORES. COLORIMOS NOSSAS LEMBRANÇAS. TEM PERSPECTIVA, VOLUME, FOCOS DE LUZ. PINCELADAS MÁGICAS EM LUGARES INESPERADOS. E OS PONTOS DE FUGA NECESSÁRIOS. TEM AUTORIA, DATA, MOMENTO HISTÓRICO.
AUTORIA NOSSA, POIS APRENDEMOS QUE DESTINO E DESÍGNIO ESTÃO E SEMPRE ESTIVERAM EM NOSSAS MÃOS. TRAÇAMOS COMO INEPTOS DESENHISTAS NOSSO DESTINO; E MARCAMOS COM NOSSA CEGUEIRA, NOSSOS DESÍGNIOS.
MILAGRE É A VIDA ACABAR COMO OBRA PRIMA, FEITA POR TÃO INEXPERIENTES AUTORES. MILAGRE É PODER OLHAR, VER, REPARAR COM LUCIDEZ, TUDO ISSO. PRESENTE DA DEUSA QUE NOS ACOMPANHA. GRATA!

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

trilhas e caminhadas


VENTANIA -ANTONIO PARREIRAS

DE TRILHAS E CAMINHADAS; DE PONTES E PEDRAS; ESCOLHAS.
Eliana Miranzi

Há um poema bastante conhecido, de autoria de Robert Frost, poeta norte-americano, onde ele fala de uma estrada. Nesta, havia uma bifurcação a certa altura. De um lado, o caminho era muito usado, pisoteado, gasto. Continha, e aí me deixo levar pela imaginação, os sinais de pegadas sobre pegadas. Sinais de vidas que por ali caminharam. Seres humanos que por ali trilharam rumo aos seus destinos.
Do outro lado, o outro caminho era bastante virgem, nu, cru, sem uso.
A relva crescia livremente, pois os passos humanos preferiam a trilha mais usada. Por que mais usada? Acredito que por ser mais fácil caminhar onde tantos outros já pisaram. Se tantos foram por ali, por que devo arriscar-me na estrada quase nunca usada?
Sem refletir, sem ponderar, faz-se a escolha. E vai-se pelo caminho mais fácil. No poema, o autor diz que não sabe por que, mas ao chegar àquele ponto, optou pela trilha menos viajada, menos pisada, menos usada. Fez sua escolha. Por que assim? Não sabe. Mas resolveu seguir na trilha menos conhecida. E essa escolha fez toda a diferença. Nossas escolhas determinam nossos destinos, nossa vida, o nosso futuro e o de muitos outros. E assim, posteriormente, temos que aceitar o que vier dali. Aproveitando o melhor, ultrapassando obstáculos, superando as dificuldades.
Uma estrada retrata bem o que representa uma vida. Ou melhor, imaginar-nos caminhando ilustra nosso caminhar pela vida.
Primeiro, há a escolha do caminho. Somos, a priori, colocados todos na estrada principal, naquela que nos conduz rápida e facilmente até a bifurcação. Aí, iniciamos nossa escolha. Talvez até mesmo antes, se “empacamos” no caminho principal, sem querer trilhá-lo por medo, insegurança, comodismo, ou seja lá qual for o motivo. Mas, se tocarmos em frente, chegaremos à bifurcação. De um lado, o caminho pisoteado, conhecido, gasto. De outro, o não usual, o novo o desconhecido. A escolha é nossa e devemos nos responsabilizar por ela.
Nossos passos imprimirão o testemunho de nossa caminhada, nossa existência, pelo chão. Seja no caminho mais usado, seja, e aí com mais nitidez, no caminho pouco ou nunca pisoteado, pois as marcas de nossos pés se imprimirão com mais força na relva virgem, ainda intacta.
Uma estrada sugere inúmeros encontros, incontáveis surpresas, quando desconhecida; ou naquela já propagada, encontraremos o que outros antes de nós já conheceram e fizeram-nos saber. Aceitamos ou não esse conhecimento.
Estamos a caminhar. Há uma curva. Beira um precipício. Este pode representar a profundidade de nossa alma, onde lá no fundo, estão guardadas nossas maiores riquezas. Portanto, o precipício não simboliza apenas algo ruim, perigoso. Pode simbolizar nossa descida interior, nosso encontro com solos mais férteis, onde moram nossas raízes profundas. Nossa ancestralidade. Nossa história, que nos diz de onde viemos e quem somos.
Continuemos; há pedras no caminho. Decidimos o que fazer com elas: saltá-las? removê-las?
Subidas e descidas e chegamos a um rio. Se optamos pela estrada conhecida, alguém antes de nós muito provavelmente já providenciou uma ponte. Estrutura de ferro e concreto, madeira, um tronco de árvore, não importa. Pontes unem, ligam, ajudam na travessia. Abaixo, correm as águas. Calmas, deslizantes, ou apressadas, agitadas, contendo fúria e perigo. Águas rasas, transparentes ou profundas, opacas, escuras. Cabe-nos o cuidado necessário ao cruzar pontes. Cabe-nos perder ou aproveitar a oportunidade de parar e observar as águas. Um rio tem sempre muito a ensinar. A cada um sua lição. É preciso saber escutar. Rios passam, correm, cantam, levam e trazem. Fazem aparecer e desaparecer. Saciam a sede. Matam e dão vida.
São modelos de mudanças constantes. Já disse alguém que é impossível atravessar o mesmo rio duas vezes. Rios são caminhos que nos levam ao mar, local das primeiras formas de vida.
Bem, agora uma nova subida. Um morro a transpor. Como vamos escalá-lo? De olhos baixos, preocupados com o que nossos pés pisarão, ou observando o que há e em torno. Nossa postura nos dará a chance ou não de percebermos se já atingimos o cume. Com os olhos da alma podemos parar e apreciar a paisagem. Ou, com os olhos voltados para as pedras e os espinhos do caminho, passaremos pelo cume, iniciaremos a descida, e tarde demais notaremos o que perdemos. (referência ao poema de Sara Teasdale, “The Long Hill”). O pico da montanha ficou para trás e não absorvemos toda a beleza, encantamento, magnitude que ele nos oferecia à vista e ao coração. Muito tarde percebemos que o que nos resta é só descida. Nossas escolhas são feitas. A cada passo deixamos algo para trás.
Depende de cada um de nós tirar proveito ou não da caminhada. Louvar o Criador pelas maravilhas encontradas ou lamentar incessantemente pelos obstáculos. Deixaremos nossa marca na trilha a fim de generosamente, melhorá-la, embelezá-la, deixá-la mais suave aos que a seguir virão?
Posso remover pedras, limpar a trilha, construir pontes, ou barreiras. Posso melhorar o que já existe, ou dificultar o caminho semeando espinhos, em lugar de flores.
Inspiro profundamente o ar do cume da montanha e só percebo e absorvo o perfume da natureza, ou apenas sinto o cheiro do ódio, a carniça da intolerância e incompreensão, o fedor da inveja e da ingratidão? Mais uma escolha...
O destino final da viagem só Deus conhece. É-nos reservada a surpresa. Posso chegar ao mais lindo vale, cheio de luz, harmonia conforto, e calor, ou posso chegar a um depósito de lixo.
A escolha de como vemos o mundo faz toda a diferença. Assim como faz toda a diferença o que deixaremos para os que, depois de nós vierem a percorrer a mesma trilha...(2007)