sábado, 30 de outubro de 2010

ALMA E ESPÍRITO

ALMA E ESPÍRITO
(MATERIAL DO LIVRO: “THE BLUE FIRE” DE JAMES HILLMAN, TRADUZIDO A PEDIDO DA PROF.ADRIANA.)
Precisamos nos lembrar que os caminhos da alma e os do espírito somente algumas vezes coincidem e que eles se divergem grandemente em relação à psicopatologia. A razão principal para meu destaque à cerca da psicopatolização é apenas para trazer à tona as diferenças entre alma e espírito, de modo a acabar com as confusões entre psicoterapia e disciplinas espirituais. Há uma diferença entre Yoga, meditação transcendental, religiões contemplativas e retiro, e mesmo o Zen , por um lado, e a psicologização da psicoterapia, por outro lado.Esta diferença é baseada na distinção entre alma e espírito.
Hoje perdemos bastante desta diferença que a maioria das culturas, mesmo as tribais conhecem e vivem. Nossas distinções são cartesianas: entre a realidade exterior tangível e estados interiores da mente, ou entre corpo e um confuso conglomerado de mente, psique e espírito. Perdemos a terceira, posição do meio, a qual no passado em nossa tradição, e em outras também, era o lugar da alma: um mundo da imaginação, fantasia, reflexão, que não é nem físico e material, por um lado, nem espiritual e abstrato por outro, ainda que ligado a ambos. Por ter seu próprio reino, a psique tem sua própria lógica – psicologia – a qual não é nem uma ciência de coisas físicas nem uma metafísica de coisas espirituais. As patologias psicológicas também pertencem a esse reino. Abordá-las a partir de um lado, em termos de doença médica ou sofrimento religioso, pecado, e salvação, faz com que se perca o alvo da alma....
O ponto de vista espiritual sempre se coloca como superior, e funciona especialmente bem em uma fantasia de transcendência entre os finais e absolutos.
A filosofia é, portanto de menos ajuda para mostrar as diferenças, do que a linguagem da imaginação. As imagens da alma mostram acima de tudo mais conotações femininas. Psyché,na língua grega, além de ser alma, indicava uma libélula noturna ou borboleta e uma moça especialmente linda na lenda de Eros e Psyché.Nossa discussão no capítulo anterior,da alma como uma idéia feminina personificada, dá continuidade a esta linha de pensamento. Lá vimos muitos dos atributos da alma. Lá vimos muitos de seus atributos e efeitos, em particular a relação da Psique com o sonho, a fantasia e imagem. Esta relação também foi colocada mitologicamente como a conexão da alma com o mundo noturno, o reino dos mortos, e a lua. Nós ainda apreendemos a natureza mais essencial da alma em experiências de morte, em sonhos da noite, e imagens referentes à lua.
O mundo do espírito é realmente diferente. Suas imagens brilham com luz, há fogo, vento, esperma. O espírito é veloz, e ele acelera o que toca. Sua direção é vertical e ascendente; é direto como a flecha, afiado como a faca, seco como pó, e fálico. É masculino, o princípio ativo, fazendo formas, ordem, e distinções claras. Embora haja muitos espíritos, e muitos tipos de espírito, mais e mais a noção de espírito vem trazida pelo arquétipo de Apolo, a sublimação de disciplinas mais altas e abstratas, a mente intelectual, refinamentos e purificações.
Podemos experienciar alma e espírito interagindo. Em momentos de concentração intelectual ou meditação transcendental, a alma invade com impulsos naturais, memórias, fantasias, e medos. Em ocasiões de novos insights ou experiências psicológicas, o espírito rapidamente extrairia um significado, colocaria em ação, conceitualizando dentro de regras.
A alma se fixa no reino da experiência e em reflexões dentro da experiência. Ela se move indiretamente em racionalizações circulares, onde recuos são tão importantes quanto avanços, preferindo labirintos e cantos, dando um sentido metafórico à vida através de palavras como perto, ao lado, devagar e profundo. A alma nos envolve no fardo e tumulto dos fenômenos e no fluxo das impressões. É a nossa parte paciente. A alma é vulnerável e sofre; é passiva e se lembra. É água para o fogo do espírito, como uma sereia que saúda o espírito heróico nas profundezas de paixões para acabar com sua certeza. Alma é imaginação, um tesouro cavernoso – para usar uma imagem de St. Agostinho-uma confusão e riqueza, ambos. Enquanto o espírito escolhe a melhor parte e busca fazer de tudo um.
Olhe para cima, diz o espírito, ganhe distância; há algo além e acima, e o que está acima é sempre, e sempre superior.
Eles se diferenciam em outros aspectos: o espírito está atrás de urgências e ele viaja por meio de uma “via negativa”. “Neti, Neti”, ele diz, “este não, aquele não”. Em frente (reto) está o portão e apenas as coisas primeiras ou últimas acontecerão. A alma responde dizendo: “Sim, isto também tem lugar, pode encontrar sua significância arquetípica, pertence a um mito”. O vaso de cozimento da alma absorve tudo, tudo pode tornar-se alma; e por absorver em sua imaginação quaisquer eventos, o espaço da psique cresce.
Separei alma e espírito a fim de fazer com que sentíssemos as diferenças, e especialmente para sentir o que acontece à alma quando seus fenômenos são vistos a partir da perspectiva do espírito. Então, parece, a alma tem que ser disciplinada, seus desejos atrelados, a imaginação esvaziada, sonhos esquecidos, envolvimentos ressecados. Pois a alma, diz o espírito, não pode conhecer nem a verdade, nem a lei, nem a causa. A alma é fantasia, toda fantasia. As milhares de patologizações das quais a alma é herdeira por seus apegos naturais às dez mil coisas da vida no mundo, devem ser curadas fazendo da alma uma imitação do espírito. A “imitation Christi” era a maneira clássica.Agora há outros modelos, gurus do Oriente ou Ocidente, que, se seguidos ao pé da letra, colocam a alma da pessoa em um caminho espiritual o qual supostamente evita patologias. A patologização, assim diz o espírito, é por sua própria natureza confinada apenas à alma; apenas a psique pode ser patológica, como a palavra psicopatologia atesta. Não há pneumopatologia , e como uma tradição alemã insiste, não pode haver tal coisa como doença mental , pois o espírito não pode patologizar. Então devem haver disciplinas espirituais para a alma , modos nos quais a alma deve se conformar, com modelos enunciados pelo espírito.
Mas a partir do ponto de vista da psique, o movimento humanista e oriental para cima parece regressão. Deve muito bem haver mais psicopatologias realmente acontecendo enquanto se transcende, do que enquanto se está imerso em patologizações. Pois, qualquer tentativa de auto-realização (ou entendimento) sem total conhecimento da psicopatologia que reside, como diz Hegel, inerentemente na alma, é em si próprio patológico, um exercício de auto-engano. Tal auto-realização (ou entendimento) vem a ser um sistema enganoso paranóide, ou mesmo um tipo de charlatanismo, o comportamento psicótico de uma alma vazia.
Como a psicologia contribui com a era da psicopatia?Ou como as disciplinas espirituais fazem isso? As disciplinas espirituais fazem isso, em minha opinião, porque não estão realmente interessadas em (acolher) receber outras pessoas. Estão interessadas, por exemplo, em doutrinar e nas técnicas para se atingir certos estados de avanço espiritual e a doutrina para esse avanço. Estão interessadas em vários processos da mente. Não se preocupam em observar a natureza das pessoas, o que não valorizam por si mesmo. Sentimentos, relacionamentos, percepções, imagens, fantasias, sonhos – toda esta sorte de diferenciação no nível psicológico – são coisas a serem obtidas e descartadas.
Uma consciência sem imagens ou liberdade, ou uma luz branca – isto é o que é desejado. E em disciplinas espirituais a doutrina de uma pessoa é muito importante. É importante conhecer a doutrina e todas as regras, todos os santos, ou todos os mestres. A natureza do mestre não é considerada importante. Então se descobre que muitos dos mestres são escandalosos; estão tendo relações com 40 mulheres a um só tempo, ou têm 40 Cadillacs, ou $40 milhões...
Eu tenho uma visão mundial de apego. Vivemos em “gemeinschaft”(comunidade).Não somos solitários. Se as pessoas escolhem esse modo de viver, o modo do desapego, eu desejaria que fossem até o Monte Athos ou o Tibet, onde elas não têm que se envolver na “sopa” diária. Apego ao mundo, continuidade com o mundo, é muito importante. Eu acho que as disciplinas espirituais são parte do desastre do mundo. Elas abominam e abandonam o mundo nas mãos de sua poluição, sua toxidade, sua corrupção. E têm uma filosofia para as defender, que as mantêm lá.
Acho um absoluto horror que alguém possa ser tão cheio do que os gregos chamavam “superbia” (soberba?) e pensar que sua vida pessoal, sua pequena, minúscula auto-transcendência seja mais importante do que o mundo e a beleza do mundo: as árvores, os animais, as pessoas, as construções, a cultura. Qual é o esforço (estímulo) psicológico desta transcendência? O que está acontecendo na psique que poderia fazer uma pessoa tão incrivelmente autocentrada? Tão autocentrada que diz: “Adeus irmãos, adeus filhos, adeus esposa, adeus flores, adeus tudo. Estou indo para os altos montes nevados. Eu quero uma liberação branca sem imagens, e liberdade do ciclo de nascimento e renascimento”. E o que está acontecendo na psique para que este sistema ilusório, enganoso possa prevalecer? Eu acho que esta pessoa (caiu) entrou no arquétipo do espírito.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010



Clarice 23/10/2010
CRISTIANA MUSA
Como é confortante saber que Clarice se angustia. Ou melhor, como é confortante saber que eu me angustio. Clarice, é óbvio. Estranho seria pensar que uma alma tão rica e profunda, pudesse passar pela vida sem entrar em contato com esse aperto sufocante que dá no meio e no fundo do peito.
Sei exatamente, ou pelos menos penso que sei. Deixem-me pensar que sei o que Clarice sentia. Parece mais fácil pra mim, conhecer seus sentimentos do que entender suas palavras.
Ela escrevia para sobreviver. Isso eu também entendo.
Escrevo para tentar acessar essa entidade interior a qual eu respeito e temo com a mesma intensidade. E com a qual luto tentando desvendá-la, às vezes deixando-a livre para se manifestar de acordo com a sua necessidade, ou muitas vezes bloqueando a sua passagem pelo simples fato de não ter a mínima idéia do que dizer. Ou melhor, do que sinto.
Porque dizer é fácil.
Mas sentir... Ah! O sentir... O não mental, o visceral, esse é involuntário.
É desconhecido, é assustador!
Libertador também, quando se tem coragem de desligar os “botões neurais” para ouvir o silêncio ensurdecedor da alma.
Obrigada Clarice, por ter- me proporcionado, essa noite, visitar a minha.
(Escrito e sentido após assistir a peça: “Simplesmente Eu”, sobre Clarice Lispector.)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

por que parar e observar...


POR QUE PARAR E OBSERVAR UMA OBRA DE ARTE?
O QUE ACONTECE QUANDO FAZEMOS ISSO?
ELIANA MIRANZI –OUT/2010
Parece que ao observar uma verdadeira obra de arte passo a sentir o mesmo que o criador da obra sentiu ao criá-la. Algo intenso se move em mim. Por quê? Como?
Há no criador/artista, a necessidade de se expressar, e esta necessidade não pode ser ignorada. A criatividade, a força criativa, é um impulso que se impõe; não há como fugir dele. Quando cria, o artista dá voz ao que estava mudo, mas não morto. Isso gera um diálogo entre consciente e inconsciente, liberando aquilo que está pedindo para ser liberado. O fazer artístico cobra um alto preço: há o período de gestação, que requer introspecção, profundos sentimentos e buscas. O artista sente-se “tomado” pela musa”. Há algo a nascer... o qual, muitas vezes,nem ele próprio conhece.
Após a finalização da obra, faz-se um vazio no interior do artista. Esse vazio continuamente pede, demanda para ser preenchido novamente. Não há mesmo como escapar. É no vazio que se gera...
Os artistas acessam com muito mais facilidade o que não nos parece acessível. Os conteúdos que moram em nosso mais profundo ser. O artista experimenta e consegue exprimir imagens na maioria das vezes muito antigas, muito anteriores a nós. Nossos fundamentos humanos. Nossa essência.
Estes seres criadores então nos presenteiam com o que realizaram, tornando-se assim facilitadores de nossas viagens interiores. Como?
Ao observar, contemplar uma obra uso-a como veículo de transformação; pois a arte pode me transportar para outras realidades, fazer-me ver além do obviamente visível. Sair do meu “pequeno eu” e ser capaz de ir ao encontro de meu “grande eu”.
O olhar do observador é atingido ou capturado pela obra e seu conteúdo; e ele a traduz segundo suas vivências e experiências, reconhecendo algo de seu próprio olhar, de seu próprio ser, na tela. (quando se trata da pintura, por ex.). Algo que está guardado em seu inconsciente. Lembrando sempre que podem haver leituras variadas de um mesmo material. Somos únicos, portanto, ricos em espécie.
Somos movidos pela obra; impressionados e impulsionados por ela. A percepção e os sentimentos inflam. Ficamos emocionalmente mexidos, mobilizados. Talvez aquilo que se passou com o artista, agora se passa em nós: materiais do inconsciente afloram. Passamos a contar com mais uma condição de voltar nosso olhar para dentro de nós mesmos, buscando o autoconhecimento, percebendo-nos com mais clareza. Podemos nos ver de fato. Quanto mais nos conhecemos, mais compaixão podemos ter em relação a nós mesmos, mais nos apreciamos, aumentando nossa autoconfiança e auto-estima.
Porém, é preciso um tempo de maturação, uma pausa para o que está no fundo poder vir à tona. Quando todo o processo acontece, sentimos um estado de leveza, purificação. No artista, o vazio; em nós, menos peso, deleite. No artista a urgência de se exprimir; em nós, a satisfação trazida pela identificação com a obra.
A arte pode também nos perturbar, descontrolar; como fez com o artista durante seu período de gestação. Nós podemos fugir dessa perturbação, enquanto ainda estivermos do “lado de fora”. Ou seja, quando ainda não tivermos sido “laçados”. O artista não tem como fugir; além de se perturbar em grau muito mais elevado. É cativo de si mesmo, não como indivíduo, mas, segundo Adriana Ferreira, “cativo do impulso de dar âncora ao que se move no seu inconsciente ou na sua percepção”, ao mesmo tempo em que experimenta a mais sublime libertação.
A arte, esta misteriosa e magnífica senhora, pode trazer o êxtase ou a exaustão. Pólos opostos são ativados. Ela alarga nossos horizontes, amplia nosso olhar, ou nos cega, dependendo de que lado estamos: dentro ou fora dela?...

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

mandala


Queridos colegas,
Tirei esta foto 03 mese atrás.Acho-a de uma beleza rara, e o que me comove é o fato
de que eu fotografei uma perfeita mandala feita pela mãe natureza!
Que esta foto os toque, como faz em mim,provocando suspiros...
Eliana Miranzi.