segunda-feira, 16 de agosto de 2010


MITOS METÁFORAS, LINGUAGEM ARQUETÍPICA

Joseph Campbell-The mythic dimension-collected works of JosephCampbell

por Adriana Ferreira

A vida de uma mitologia vem da vitalidade de seus símbolos como metáforas transmissoras, não apenas da idéia, mas de um senso de participação real nessa realização de transcendência, infinidade e abundancia.

Na verdade, o primeiro e mais essencial serviço de uma mitologia é este, o de abrir a mente e o coração à maravilha total de todo ser.

O segundo serviço é cosmológico: representar o universo e todo o espetáculo da natureza, tanto como o conhece a mente, como o vê o olho- como uma epifania, e diante de toda maravilha acontece um reconhecimento da divindidade.

As idéias elementares- (Bastian)- ou os arquétipos do inconsciente coletivo- (Jung)-, são ao mesmo tempo as forças motoras e as referências conotadas por meio das figuras metafóricas, historicamente condicionadas das mitologias por todo o mundo; são como as leis do espaço inalteradas pelas mudanças de localização.

As transformações da mente e da visão, necessárias ao reconhecimento de todas as coisas dessa maneira, como epifanias do êxtase do ser, são definidas e discutidas em termos dos princípios da estética.

Pois é o artista que torna manifesta as imagens de uma mitologia; além disso, é a maneira própria de ver das artes, que permite às coisas se destacarem e serem vistas simplesmente como são, e não como coisas desejáveis ou temíveis, mas como afirmações, cada qual a seu modo, do ser natural.

À maneira de ver da arte, as características de um ambiente, se tornam transparentes, objetos de uso essencial adquirem significação simbólica.

Todo o mundo conhecido é sentido, assim como uma maravilha estética.

A função social da mitologia é a de unir um povo local em apoio mútuo, oferecendo imagens que despertam o coração ao reconhecimento da comunalidade, protegendo o limite monádico.

Estas mitologias locais são condicionadas pela geografia local e pelas necessidades sociais. Suas imagens provêm das paisagens, da flora e da fauna locais, de recordações de personagens e acontecimentos de experiências visionárias comuns.

A definição de mônada se deu a partir da posição psicológica adotada pelo povo em relação ao seu universo.

De acordo com Bastian, essas mônadas são organizações locais do número de idéias étnicas, ou populares das culturas representadas, estruturando de maneiras variadas em relação às necessidades e interesses existentes, as energias e impulsos primordiais da espécie humana comum: bionergias que são a essência da própria vida e que, quando descontroladas, tornam-se terríveis, horríveis e destrutivas.

Ofício da arte

O ofício liga o artista ao mundo. Ele é o mestre da linguagem metafórica, sendo criativo só quando é inovador, sendo a visão inovadora superior às inovações técnicas.

Sendo a natureza do artista e a natureza do universo dois aspectos da mesma realidade, explicita de forma clara a integração criativa da descoberta e do reconhecimento que alerta o artista para a possibilidade de uma composição reveladora, na qual as realidades interiores e exteriores são vistas como a mesma coisa.

Há um grau possível de revelação através da arte, que esta além da beleza, ou seja, o sublime, que foi definido como “aquilo que desperta sentimentos de temor e de reverência, e um senso da vastidão e força que escapam à compreensão humana”.

“E considerando a arte desta perspectiva, o próprio Nietzsche declarou:” a arte é a tarefa adequada da vida, a arte é o exercício metafísico da vida... a arte é mais do que a verdade”

O artista é, portanto o verdadeiro vidente e profeta de seu século, um revolucionário muito mais fundamental em sua penetração da máscara social de sua época do que qualquer idealista fanático.

Em se falando de vidência há uma célebre frase de Strindberg que disse certa vez: “os políticos são gatos de um olho” o olho direito ou o esquerdo. Fecha-se um, abre-se o outro.

“O artista, porém, diz Campbell, vê com os dois olhos, e só a ele é o centro revelado: aquele ponto imóvel como viu Eliot, onde está a dança”

“E há apenas a dança’

A DANÇA.

Pina Bausch: Citações do livro de Fabio Cypriano: PINA BAUSH

“Há instantes, porém, em que perdemos totalmente a fala, em que ficamos totalmente pasmos e perplexos, sem saber para onde ir”. É ai que tem inicio a dança.

...é preciso encontrar uma linguagem com palavras, com imagens, movimentos, estados de ânimo, que faça pressentir algo que está sempre presente. Esse é um saber bastante precioso.

Nossos sentimentos são todos muito precisos, mas é um processo muito, muito difícil torná-los visíveis. Sempre tenho a impressão de que é algo com que se deve lidar com muito cuidado. Se eles forem nomeados muito rápidos com palavras, desaparecem ou se tornam banais. Mas mesmo assim é um saber preciso que todos temos, e a dança e a música, são uma linguagem bem exata, com que se pode fazer pressentir esse saber. Não se trata de arte, tampouco de mero talento. Trata-se da vida e, portanto de encontrar uma linguagem para a vida. “E como sempre se trata do que ainda não é arte, mas daquilo que talvez possa se tornar arte”.

A ARTE DE COMO VER E COMO CRIAR SUA PROPRIA DANÇA OU...

Como assistir:

“pode-se assistir a uma peça por tantos lados, não há um caminho: assista assim ou dessa forma. Deve-se estar livre, e confiar em si próprio, no que se está sentindo quando se vê a peça. E quando se vê mais vezes, ela muda da mesma forma que mudamos nossos sentimentos, e isso se reflete na visão.

... Uma peça deve ser tão aberta para mim quanto para os outros, para que cada um possa construir sua própria pele nela”

A questão é “do que o mundo precisa hoje, do que precisamos”

GEORGE STEINER – Colagens feitas de textos de seu livro Grammars of creation.(1929)

Uma arte combinatória aponta para a invenção e a reinvenção. Nossa existência e nossa consciência são lançadas na linguagem. Não é uma linguagem que tenhamos escolhido.

A linguagem, portanto, está tão permeada de seu passado cumulativo quanto de seu presente multifacetado, em todas as suas variáveis fisiológicas, temporais e sociais.

Qualquer ato e qualquer dado que envolvam a fala humana, são atos que aspiram a serem ouvidos, a persuadir e a envolver, conscientemente ou não.

O puramente semântico nos conduz ao semiótico e à fenomenologia abrangente que define a produção e a comunicação do sentido.

Assim, bem antes que decida abandonar sua própria estrutura para “dançar seu sentido”, a linguagem é radicalmente coreográfica e multimídica.

Quantas representações essencialmente novas e inéditas e quantos novos movimentos do inteligível conseguiram adicionar ao repertorio já existente?

O que criamos, o que agregamos de realmente novo em relação à tristeza de Heitor por Andrômaca, à fúria de Moisés, ou ao amor ferido de David por Jônatas?

O ruído de fundo da presença inteligível mesmo nos sinais mais arcaicos permanece tão vívido quanto o clarão de um farol num horizonte longínquo.

Pesquisadores de mitos e contos sustentam que as células originárias de todas as narrativas que estudam, sejam as da epopéia oral, do drama ou da futura ficção em prosa, são identificáveis e restritas em número.

As duas questões básicas são:

- Qual é a fonte destas figuras primais, e como são transmitidas ao longo do tempo?

A antropologia estrutural de Lévi-Strauss, procura estabelecer uma lógica dos mitos. (mitologia)

Os contos contados e recontados por todo o planeta, mesmo que com variações locais, espelham as constantes biológicas e sócias da espécie humana.

São narrativas que formalizam uma imagem instintiva e os processos cerebrais comuns à humanidade e que, mais especificamente, capacitam a mente humana a conviver e reagir a provocações e contradições insolúveis como as do tabu do incesto, as de nossas relações ambíguas com o meio natural e animal ou com a inelutabilidade da morte.

O corpo e o sistema nervoso moderno continuam a habitar e a deparar com imperativos primordiais.

A ciência conta novas histórias- com seus “paradigmas” inovadores- mas não consegue aprofundar-se muito em determinações primais como o amor, o ódio ou a morte.

São temas que permanecem objeto de uma recorrência incessante, de contos já narrados várias vezes.

Carl Gustav Jung constatou categoricamente uma herança coletiva de arquétipos, de imagens fundacionais e de padrões narrativos.

Nossa arte, nossas crenças religiosas e nossos sonhos são um legado.

Toda nossa cultura recorre a um inventário de ícones primordiais mais antigos que a razão, e gravados, registrados, na própria alma coletiva.

Desta maneira, é por meio da arte, da literatura e de situações oníricas que a imaginação retorna à sua base comum, reconstruindo sempre de novo uma origem compartilhada, comum.

Desenhar figuras na parede da caverna, contar e reencenar historias e situações, reproduzir paisagens e sua fauna humana ou animal e recriar a vida, parecem práticas que obedecem a um impulso elementar.

A observação mimética, mais que tudo, gera personagens.

Personagens se formam a partir de uma composição de diversas partes e fragmentos, como num mosaico.

Collage e montage são formas de representação muito mais antigas que Homero. Trata-se de um processo combinatório.

As ficções servem de espelho para nossas ilusões, nossos sonhos e nossas ambições mais secretas.

O espectador é cúmplice desse misterioso mundo secreto. Existem qualidades fundamentais de identificação e retraimento ou de imitação e rejeição que operam diretamente na colaboração estética entre o criador e a platéia. Todo espectador outorga à ficção sua capacidade de incorporação.

Só uma força dialética pode produzir novas verdades.

Só aqui e agora podemos reescrever mitos, historias e narrativas.

Assim como o performer – ator ou dançarino- o espectador também “assina a criação”.

Como afirma Peter Shaffer:

“Uma poderosa energia incipiente, canalizada por meio de alguma forma (e só assim), pode reconstituir-se como uma energia igualmente furiosa na alma e na mente de seus receptores.

É uma energia que se reconstitui precisamente graças a cada um deles. As dimensões do fogo que se iniciou no cérebro do dançarino ou dramaturgo devem se tornar cada vez menores conforme crescem na imaginação comum da platéia. O trabalho do autor consiste em saber como fazer arder essa chama sagrada num simples receptáculo.

Ao contemplar esse receptáculo fumegando no palco, é possível que alguém diga: “que patético, eu vi o Vulcão, e tudo que me restou foi uma labareda miserável”.

Mas a verdade é que esta labareda, bem apresentada e bem colocada, É o vulcão. “O poder do autor (coreografo e dançarino) para concentrar o fofo e apresentá-lo para sua platéia vai fazer com que o público possa senti-lo, e se queimar em suas chamas, mesmo que nenhum deles nem conheça nem nunca possa conhecer qualquer vulcão...”

Assim, no mais alto grau, e de certa forma num sentido muito superior a qualquer metáfora, o artista é realmente divino para si mesmo e para seu público. Ele cria.

Há sempre algum material novo para ser agregado, incorporado ou justaposto.

“Não invejamos, não servimos nem tememos os deuses, mas, à custa de nossa vida, atestamos sua existência variada e os comovemos por fazermos parte de suas crias aventurosas assim que cessa sua lembrança” Char, in Le Nu Perdu.

ARQUÉTIPO, SÍMBOLO E O CRIATIVO – CARL GUSTAV JUNG

Para JUNG, o inconsciente coletivo é formado pelos instintos e seus correlatos, os arquétipos. Os instintos referem-se à ação, os arquétipos à apreensão da situação implícita na ação. São os dois lados da mesma moeda. Quando constelados, ativados psiquicamente, e numa situação concreta, os arquétipos produzem imagens, fantasias coletivas.

O mundo arquetípico, na sua infinita variação, surge com a humanidade. E é dessa matriz que emerge a multiplicidade de formas culturais. Esse “a priori” é constituído de formas vazias elementares, comparadas por Jung ao “líquido mãe” de onde nascem os cristais, capaz de infinitas possibilidades e arranjos.

Essas formas vazias, os arquétipos, uma vez atualizadas culturalmente – constelados em detrimento de infinitas outras formas relegadas- sofrem uma diferenciação infinitesimal ao longo de vastos períodos históricos, quando então, gastas pela vivência, são abandonadas por outras formas vazias e por um novo desabrochar cultural. Essa é uma maneira do pensamento junguiano dar conta da Historia.

Para Jung, as experiências vividas seriam interiorizadas, sedimentadas nessas formas vazias. Nesta concepção, não são as imagens arquetípicas as representações coletivas que são herdadas, mas sim as formas vazias, um tanto diferenciadas pela vivencia histórica e cultural de milênios. Deste modo, o individuo, ao nascer, seria portador da historia da humanidade.

Se todos somos portadores de todas as formas possíveis, não raro, na loucura, ou no processo de individuação, algumas delas se atualizam, constelam-se, e também não com menos freqüência, seu potencial energético, ou sua numinosidade, costuma produzir inflação (euforia e depressão).

As estranhas fantasias que emergem do inconsciente coletivo não são comportadas, muito ao contrário, são dotadas de poderosa emocionalidade, energia e numinosidade : a dupla vivência do êxtase e do terror. É fundamental torná-las conscientes, para que não se cronifiquem como bolsões psicóticos ou estilhassem o ego.

Como torná-las conscientes se não ligação com o já vivido, se tais fantasias não encontram eco na historia do individuo?

A grandeza de Jung não está na explicação da origem das estranhas fantasias, porém na capacidade de torná-las conscientes mediante a cultura e seus artefatos culturais: os mitos, o imaginário cultural, a arte, a própria ciência.

Para Jung o inconsciente coletivo é:

“. de maneira inesperada, um espaço sem limite pleno, de uma indeterminação espantosa, que parece não ter nem interior nem exterior, nem alto nem baixo, nem aqui nem lá, nem meu nem teu, nem bem nem mal. É o mundo da água onde paira, suspenso, tudo o que é vivente, onde começa o reino do “simpático”, alma de tudo o que vive, onde eu sou inseparável disso ou daquilo, onde eu sinto o outro em mim e onde o outro me sente como sendo eu.O inconsciente coletivo é tudo salvo um sistema pessoal fechado,é uma objetividade vasta como o mundo e aberta ao mundo inteiro”.

... “Lá no inconsciente coletivo eu estou ligado ao mundo numa ligação tão mais imediata que eu esqueço muito facilmente quem eu sou em realidade.” Cw 9,I,pr45-46

“Enquanto o não eu (inconsciente) parece ser oposto a nós, naturalmente o sentimos como um oposto, mas depois entenderemos que o inconsciente coletivo é como um vasto oceano, com o eu flutuando sobre ele como um pequeno barco. Então, quando vemos isso, surge a questão de estarmos contidos no oceano, como os peixes , os peixes são unidades vivas no oceano, eles não são absolutamente como ele, mas estão contidos nele, seus corpos ,suas funções, estão maravilhosamente adaptados à natureza da água, a água e o peixe formam um continuum vivente. Quando aceitamos este ponto de vista, temos de supor que a vida é realmente um continuum e destinado a ser como é, isto é, toda uma tessitura na qual as coisas vivem com ou por meio uma da outra.Assim árvores não podem existir sem animais ou animais sem plantas, e talvez animais não possam ser sem o homem, ou o homem sem animais e plantas, e assim por diante. E sendo a coisa inteira uma tessitura, não é de se admirar que todas suas partes funcionem juntas... porque são parte de um continuum vivo.”

The visions seminars. Spring publication 1976.

Segundo Jung “o trabalho criativo, no que podemos segui-lo, consiste na ativação inconsciente de uma imagem arquetípica e na elaboração e moldagem dessa imagem no trabalho acabado. Dando forma a ele, o artista o transforma na linguagem do presente, tornando assim possível a nós descobrirmos nosso caminho de volta às mais profundas fontes de vida.

E nisto está o significado social da arte: constantemente ela trabalha educando o espírito da época, conjurando as formas nas quais a época está mais carente. O impulso insatisfeito do artista retorna à imagem primitiva do inconsciente, a qual está mais bem aparelhada para compensar a inadequação e a unilateralidade do presente.

O artista apodera-se dessa imagem retirando-a da mais profunda inconsciência a coloca em relação com valores conscientes, transformando-a assim até que ela seja aceita pelas mentes de seus contemporâneos, de acordo com suas capacidades.

Um pouco mais sobre ARQUETIPO, segundo JUNG

“Nem por um momento ousamos sucumbir à ilusão de que um arquétipo pode ser completamente explicado e descartado.

...O máximo que podemos fazer é passar para a frente o sonho do mito e dar-lhe uma vestimenta moderna.E seja o que for que a explicação ou a interpretação faça com ele, o mesmo fazemos também com nossas próprias almas,com resultados correspondentes para o nosso próprio bem estar.É preciso não esquecer que o arquétipo é um órgão psíquico presente em todos nós.”

“...por definição , arquétipos são fatores e motivos que ordenam os elementos psíquicos em certas imagens caracterizadas como arquetípicas,mas de uma maneira tal que podem ser reconhecidos, somente a partir dos efeitos que produzem .Podem ser comparados à presença invisível de uma estrutura de cristal em uma solução saturada.”

“Os arquétipos são simultaneamente dinâmicos. São imagens instintivas que não são inventadas intelectualmente. São permanentes e produzem determinados processos no inconsciente que poderiam ser comparados com os mitos. Essa é a origem da mitologia. A mitologia é a enunciação de uma série de imagens que formulam a vida dos arquétipos.”

“Ninguém viu jamais um arquétipo e também jamais viu um átomo. Mas sabe-se que o primeiro produz efeitos numinosos e o último explosões. Quando digo átomo ,estou falando de idéias que correspondem a ele, mas nunca da coisa-em-si, que em ambos os casos é um mistério transcendental.Nunca ocorreria ao físico que ele matou o pássaro com o seu modelo atômico. Ele está plenamente consciente de que está usando um esquema variável que meramente aponta para fatos que não podem ser conhecidos”

“NA PRÁTICA, observamos os “traços” do arquétipo principalmente nos sonhos, onde eles se tornam perceptíveis como formas psíquicas. Mas este não é o único meio de eles chegarem à percepção: podem aparecer objetiva e concretamente também sob a forma de fatos psíquicos.”

SÍMBOLOS-

“Já que as estrelas caíram do céu e os nossos mais elevados símbolos empalideceram, uma vida secreta prevalece no inconsciente. Essa é a razão pela qual temos hoje uma psicologia e falamos do inconsciente. Tudo isso teria sido supérfluo em uma época ou cultura que possuísse símbolos”.

“.. o nosso inconsciente esconde água viva, espírito que se transformou em natureza,e por essa razão é perturbada.O céu tornou-se para nós o espaço cósmico dos físicos , e o empíreo divino uma vela memória de coisas que antigamente existiam.Mas o coração “abrasa-se” e uma inquietação secreta morde as raízes do nosso ser”

VIDA SIMBÓLICA – ADRIANA FERREIRA

O modo como melhor experimentamos nossa vida arquetípica é através das manifestações simbólicas.

Símbolos são entidades vivas, com um ciclo de vida próprio, eles emergem, desabrocham por um tempo, então declinam e morrem. Novos símbolos tomam existência todo o tempo , em relação aos processos vividos.

Explorar um símbolo é rastreá-lo até a sua raiz arquetípica, é segui-lo através do tempo até que sua configuração universal e sua fundação pisco biológica sejam reveladas. Símbolos são formas imaginais que possuem uma dinastia de relacionamentos que os precederam.

A mente humana adquiriu a capacidade de pensar, usar símbolos, desenvolver explicações e criar mitos como resposta às pressões encontradas por nossa espécie no curso de sua historia evolucionária.

De acordo com esta visão, o aparelho mental é constituído de numerosos “módulos” ou arquétipos, que evoluíram através da seleção natural para encontrar problemas adaptativos específicos do confronto vivido pelos nossos ancestrais caçadores no passado. Estes módulos, não apenas proveêm as regras para serem seguidas, mas também muito da informação igualmente necessária para os processos adaptativos da espécie, tanto quanto os evolucionários.

A perspectiva evolucionária provê uma visão profunda e integrativa do papel adaptativo que os símbolos arquetípicos têm desempenhado na sobrevivência e sucesso de nossa espécie.

Símbolos criam uma resposta vital e abstrata que vai ser expressa fisicamente, nervosamente, mentalmente e emocionalmente no ser organizado (individuo) ou por uma reação energética em um ser não organizado (sem consciência).Independente de ser uma imagem combinada ou natural ou um sinal convencionado, a propriedade do símbolo é a de ser, possibilitar uma síntese.

Símbolos toleram paradoxos e combinam contradições, acordam intimidações, são atléticos, plásticos. Podem ser entendidos como metáforas para necessidades arquetípicas e intenções ou expressões de padrões arquetípicos básicos.

O símbolo é uma corporificação atransitória de tudo que é análogo e associado entre si. Sua qualidade mágica está na capacidade de falar simultaneamente para muitos níveis de experiência.

O sistema simbólico no qual a consciência se baseia, é construído a partir de significado.A formação do símbolo é relacionada à manifestação: uma idéia abstrata é transformada em algo tangível.A percepção do significado não é apenas cognitiva, mas também visceral. O sentido do símbolo é experimentado como um poder capaz de desencadear processos transformadores e integradores na psique.

Vemos com clareza: olho no símbolo, sua vida, sua força, seu poder de formação e transformação. De formar no indivíduo um novo repertório, nova linguagem para falar consigo mesmo criando um foro íntimo, sagrado, onde o individuo poderá de fato estar a nu consigo mesmo, à vontade.

Só desta maneira cada um pode de fato conciliar-se com sua totalidade, como no dizer dos gregos: intima praecordia movit – ou seja: mover-se a partir de seu próprio coração.

A FUNÇAO TRANSFORMADORA E FORMADORA DO SÍMBOLO É UMA MANIFESTAÇAO DO ARQUÉTIPO.É o símbolo vivo.

Como diz Sri Aurobindo em seu poema:

“ a brilliant code penned with the Sky for page,

Of which our thoughts and hopes are signal flares,

A break in the darkeness, a ray of light, of life, a messenger from beyond...

A call for adventure, to see, to listen.... (Savitri – a legend and a symbol).

“ um código brilhante, suspenso, tendo por página o céu

Do qual nossos pensamentos e esperanças são pálidos sinais

Uma trégua na escuridão, um raio de luz, de vida,

Um mensageiro longínquo,

Um chamado a aventura, a ver, a ouvir....”

(tradução singela e despretenciosa,só para dar vida à imagem)

Sentir o poder de um símbolo é ser transportado para outra realidade. O que na vida cotidiana não tem crédito, aí se torna verdadeiro. Tal e qual nos sonhos.

Uma matéria que abraça toda a vida, nada excluindo, mas ampliando a verdade das camadas mais misteriosas da nossa condição humana.

Na dimensão simbólica da existência, os objetos mundanos, situações, são transformados, transubstancializados em objetos e coisas sagradas, tudo através de nossa capacidade de imaginar, conceber e captar imagens.

Fazer parte de um ritual, entrar em um santuário como participante de um rito, é entrar em um estado alterado de consciência, um padrão mental totalmente diferenciado similar a um estado de transe ou sonho.

Algo acontece – é real – ficamos em suspensão. Entramos em nossa historia que faz parte daquela. Depois do evento, nunca mais somos os mesmos.

Um símbolo, algum símbolo nos acertou em cheio e dormiremos com ele, acordaremos com ele, até que sua força tome lugar em nossa vida, em nosso ser.

O espírito da vida simbólica alcança desalojar egos de suas certezas e de sua fantasiosa solidez.

ANAHATA, Vale do Matutu, 23 de julho de 2010.

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