terça-feira, 14 de setembro de 2010

PONTES NA PINTURA

PONTES NA PINTURA
Eliana R. da Cunha Miranzi

O que é uma ponte?
Construção que liga, une, atravessa, passa sobre as águas; pontes levam de um lado a outro, de um mundo a outro, ligando o “aqui” e o “lá”, o conhecido com o desconhecido. Podem ser feitas de materiais diversos, tais como a madeira, o ferro, o concreto. Podem ser construídas por motivos diversos, mas sempre com o mesmo objetivo: servir de passagem.
A ponte simboliza a ligação, a possibilidade da travessia, a facilitação para superar obstáculos.
Usando esse referencial em nossas vidas, podemos ser pontes, facilitando nossas travessias ou as dos que nos cercam. Podemos “construir pontes” que nos levem, e a outros, a lugares mais aprazíveis, ou a possibilidade de continuar uma longa caminhada. Podemos conservar as pontes que encontramos à nossa frente, após atravessá-las, ou derrubá-las, dificultando o caminho dos que virão depois. É nossa a escolha.
Travessia de pontes simboliza novas vidas, novas possibilidades, novos encontros. Também superação, avanço, cruzar fronteiras, enfrentar barreiras. Do outro lado o novo, o desconhecido, o diferente.
Se posso ser ponte, que tipo de ponte quero ser?
Se posso construir pontes, como desejarei fazê-las?
Sou ponte em meus relacionamentos?Sou vínculo ou crio vínculos? Uno?
Facilito comunicações? Permito travessias?
Faço uso de alguma coisa como ponte entre meu eu exterior e minha alma?
Uma ponte serve para encurtar caminhos... E eu? Encurto caminhos?

Há pontes milenares que não desabam; há pontes artísticas e belas; pontes que já foram reconstruídas várias vezes. Isto deve nos dizer alguma coisa...


Na arte há grande número de representações de pontes, indicando que essas construções também intrigaram ou encantaram artistas ao longo do tempo.
Veremos a seguir algumas:


“A Tempestade” de Giorgio Giorgione. (1478/1510) – (Para Entender a Arte, pg.28) Pintor italiano, foi aluno de Bellini em Veneza e colega de Ticiano, a quem influenciou. Pintava afrescos, e pouco restou de seu trabalho. Nas telas, fazia obras pequenas, de atmosfera intimista. Deu um novo tratamento às paisagens, tornando-as “verdadeiros poemas visuais”. Aqui vemos à beira d’água uma jovem amamentando uma criança. Tem sobre os ombros um manto branco. O branco do manto faz nosso olhar percorrer os outros brancos do quadro. Luz. A cidade ao fundo parece quieta, já a espera da tempestade que se anuncia. A ponte liga a cidade dividida pelo rio. Rústica, de madeira, simples. No rio, o reflexo do raio que podemos ver no céu. A vegetação é variada e de intensa tonalidade escura. À esquerda, vemos duas colunas quebradas, talvez significando vidas interrompidas. O jovem em primeiro plano observa a mulher e trás consigo um cajado. Caminhante? Forasteiro? Seu companheiro? O olhar da mulher é direcionado ao observador e não ao rapaz. O quadro nos dá a impressão de que o mundo está parado. A jovem mãe não parece preocupada em proteger-se da tempestade que se aproxima. Enfim, o quadro trás tranqüilidade, apesar do nome.

Vista de Delft”- Joannes Vermeer.(1632/1675)) Pintor holandês, morava em Delf. Cidade cortada por canais e famosa por sua porcelana. Seu quadro, retratando esta cidade mostra um lugar tranqüilo e belo. A ponte é feita de pedras e sugere segurança, firmeza, solidez. Ela parece totalmente integrada na cidade. O casario em tons de marron-avermelhado é bem típico de seu país. A luz vinda do alto faz com que as edificações reflitam-se na água, que, por sinal tem um brilho alegre. Ao fundo, na linha do horizonte podemos notar cúpulas de igrejas. Em primeiro plano, um barquinho e poucas pessoas. É de manhã. Ainda não havia o movimento habitual dos mercados e praças. Numa das torres, o pintor marcou a hora: O7:10. Esse quadro foi considerado como o primeiro impressionista antes do impressionismo. Espaço e luz, além da cor, são elementos essenciais para Vermeer. Porém sua obra é silenciosa. Esse é um quadro que trás serenidade e fala de um tempo de paz.

“Campo de São João e São Paulo”- Giovanni Antonio Canal ( Canaletto) (1697/1768) – (Gênios da pintura, vol. IV) Nascido em Veneza, pinta apaixonadamente sua terra natal. É profundamente admirado pelos ingleses, e deles é a maioria de sua clientela. Porém, ao ir para a Inglaterra como pintor convidado, para fazer paisagens inglesas, essas não agradam muito aos britânicos. Diziam que seus temas ingleses eram sombrios. Canaletto tinha um sobrinho, também pintor, que adotou o mesmo nome, aproveitando-se da fama do tio, para vender seus quadros na Alemanha e Polônia. Vemos o casario veneziano à beira do canal, poucas pessoas em movimento, sugerindo um horário de tranqüilidade. Veneza era cidade de mercadores e muito movimentada, normalmente. A graciosa ponte arqueada faz parte da paisagem com naturalidade, e trás a sensação de integrar os dois lados da cidade. Pertence ao lugar. É como se ela estivesse ali desde sempre. Há muita luz à direita, batendo no prédio maior, a Igreja, e sombreando parte do edifício vizinho. As pessoas, os barcos se integram com harmonia à paisagem. O ambiente é tranqüilo. A arquitetura de Veneza é bastante característica e Canaletto a retratou com maestria.

"Incêndio na Câmara dos Lordes”- William Turner – (1775/1851) (Gênios da Pintura, vol.V) - Pintor inglês, deixou em testamento para o governo de seu país 300 telas e mais de 20.000 aquarelas. Sua vida coincide com o auge da Revolução Industrial, portanto com a urbanização crescente do país. Foi precursor do impressionismo, pois suas telas são manchas coloridas, mostrando um redemoinho de luzes, e não têm as características das paisagens convencionais. Dizia que sua obra era um todo ininterrupto. Este quadro do incêndio é típico de Turner. Emoção e sentimento. O fogo se alastra em tons de vermelho e amarelo, com a ponte dominando a paisagem, iluminada pelas chamas. Quase não conseguimos saber se o fogo está mesmo na água ou se só refletido nela. As casas do Parlamento são uma mancha fantasmagórica, encobertas pela fumaça. A luz parece vir do fundo do centro da tela. O pintor captava as impressões da natureza, com ênfase à dramaticidade e à catástrofe naturais. É o rio Tâmisa, em Londres. É já quase abstrata essa obra de Turner. Dizem que o artista estava chegando a Londres, quando se deu o incêndio e no mesmo dia esboçou duas telas com esse tema.



“A Ponte Romana em Narni”; “Ponte de Nantes”; “O Tibre no Castelo Santo Ângelo em Roma”; “A Ilha de São Bartolomeu em Roma” – Camile Corot – (1706/1875) (Gênios da pintura, vol. V). Pintor francês, generoso amigo de Daumier e Millet, a quem muito ajudou, assim como a seus modelos. Suas paisagens, além de mostrar a natureza, mostram também o vigor do artista e suas emoções. Vai à Itália em busca de conhecimentos sobre pintura. Mostra suas produções mais acadêmicas e esconde as obras em que ensaia novas técnicas e estilo. Muito influenciou os impressionistas.

A Ponte Romana:Tons de verde, ocre e azul. Integra as ruínas à atmosfera atual, não deixando marcas de fatos históricos. Trás emoção. As ruínas da ponte falam de um tempo já ido, em meio à beleza da curva do rio, da vegetação e horizonte montanhoso. A luminosidade da água faz um ponto de luz, apesar de ser tão pouca. Corot era um mestre da luz e cor, sendo, portanto, citado como mais um inspirador dos impressionistas.

-A Ilha de São Bartolomeu: aqui a água dá às coisas um sentido real. Esse maciço de edificações, emoldurado por duas pontes, tendo a cidade ao fundo à direita, pode nos fazer pensar em saídas... Sempre há saídas, seja por um lado como por outro. Opções diferentes. São pontes sólidas, pesadas, com belos arcos simétricos, passando a idéia de equilíbrio. Os reflexos na água trazem mais profundidade ao quadro. Há luz no céu, na base esquerda da construção e muita luz passando por debaixo dos arcos das pontes. Pontes duplas: ir e vir, entrada e saída, chegar e ir embora, enfim: opostos.

Tibre no Castelo...: É interessante notar que nesta vibrante mistura de cores, Corot parece ir além da paisagem em si. Mostra a força do poder, a importância da História. O Castelo Sant Ângelo, também chamado de “Mausoléu de Adriano” fica ao lado do Vaticano, e há uma ligação entre os dois. Já foi moradia de príncipes e papas, e também prisão. Hoje é um Museu. A ponte com seus arcos, típica da engenharia romana, é ainda decorada com esculturas e continua bastante conservada. No quadro, no entanto, ela parece estar levemente inclinada, sendo que no seu lado esquerdo termina em um muro, onde se encontra uma passagem. Há luz nos céus e na água, que reflete as construções. O anjo no topo do castelo trás a idéia de proteção divina. Na perspectiva em que foi pintada, a ponte simboliza a ligação entre o profano e o sagrado, o mundano e o espiritual.

Ponte de Nantes: As cores aqui têm um efeito especial: parece haver uma bruma, que filtra a luz. Há um estudado uso de geometria no desenho. A força da natureza se revela nas árvores secas, no rio, no céu. A ponte é grandiosa, passando a impressão de força e poder. Parece indestrutível, podendo, portanto nos evocar a imagem de que podemos “fazer” pontes eternas... O ser humano aqui retratado nos parece muito pequeno diante da grandeza da ponte e do ambiente onde se encontra. O toque de vermelho na cabeça remete a um toque de emoção humana. É uma pintura forte, poderosa. Também podemos perceber uma leve brisa que dá movimento às poucas folhas. Há música nessa composição.

“A Ponte de Argenteuil” - “A Ponte Japonesa” – “ O Tâmisa e Westminster”- Claude Monet – (1840/1926) (Os Grandes Artistas, vol. “Impressionistas”) (www.allaboutarts.com.br) ( Gênios da Pintura, vol.V).
Pintor impressionista francês, mestre da emoção. Frases do artista: “Eu pinto como um pássaro canta”, e “Não se fazem quadros com doutrinas”. Por causa de seu quadro: “Impressão: Sol levante”, é que apareceu o nome “Impressionistas”. Pintando sempre ao ar livre, mostra-se apaixonado pela luz, pela cor, os reflexos das coisas na água, a liberdade de criação. Morou um tempo em Londres, retornando depois ao seu país de origem. Ao comprar uma propriedade em Giverny, faz um jardim com lago, de onde saem talvez suas mais belas obras. Monet vai, ao longo da vida, suavemente diluindo as formas de seus desenhos. Ao fim de sua carreira, as “Ninféias” muitas vezes já são quase abstrações: dissolvem-se em meio aos reflexos e à mistura de cores.

“A Ponte de Argenteuil” - Esta tela é tipicamente impressionista. Há luz e efeito de cor. Seu tema é a ponte, mas a luminosidade da água nos convida a passear os olhos por todo o quadro. Os barcos à esquerda trazem a idéia de repouso. A luz incide na torre ao fim da ponte, como a sinalizar o caminho. A vegetação e a casa são acolhedoras. É uma tela tranqüila, serena. A ponte de pedras é alta, majestosa, imponente. Trás a idéia de segurança, mas nesta perspectiva em que foi pintada, também sugere que não se passe dali para frente. Ela é como uma barreira isolando esse lugar do resto do mundo.

“A Ponte Japonesa” – Pintada várias vezes, essa pontezinha existia em seu jardim. Dependendo do horário do dia, do clima, e da incidência de sol, os tons do lago e da vegetação variavam e Monet registrava essas mudanças. É uma ponte poética, magistral. Cheia de sentimentos, enquadrada com perfeição na tela, trás uma simetria que ajuda a passar essa sensação harmoniosa. Belo é o local, bela a composição de Monet. Esta ponte nos convida a visitar o lugar, a buscar seus possíveis segredos, a caminhar pelas prováveis trilhas desse jardim. É emoção pura. Monet, como outros impressionistas, foi influenciado pela arte japonesa: daí a idéia de mandar construir a pontezinha japonesa. Sua curvatura é delicada, assim como o são as cores, as nuances, as luzes. Sugere uma passagem serena, calma, tranqüila.

“O Tâmisa e Westminster” - Estando longe de seu país natal, refugiado com a família, devido à uma guerra, na brumosa e nevoenta Inglaterra, Monet mostra claramente seus sentimentos nesse quadro: Tudo cinza, pouca luz, saudades do sol. A ponte, apesar de quase encoberta pela névoa, ainda assim é bela, mas parece distante, afastada, difícil de alcançar. Os barcos dão um tom de vida e movimento ao quadro, as silhuetas das casas do Parlamento são belas, porém o clima geral é de nostalgia. Monet, com sua paixão pela água, se aproveita do rio Tamisa para deixar passar um pouco de luz.

A Ponte de Hampton Court – Alfred Sisley (1839/1898) (Gênios da Pintura, vol. V). Nasceu na França, embora filho de pais ingleses. Viveu na França, mas passou temporadas na Inglaterra. Foi colega de Monet e Renoir. Suas telas mostram que o pintor admirava a vitalidade da natureza. As paisagens, sobretudo com rios, o fascinavam. Apesar de todas as dificuldades que encontrou na vida, Sisley passa alegria e vivacidade em suas pinturas. A ponte aqui tem grande intensidade de luz, cores e movimento. A imagem é colocada em forma de “X” na tela. Céu e água fecham as partes de baixo e de cima do “X”. À esquerda, temos a ponte com seu fundo tomado pelo casario. A construção da ponte é romântica, assim como é alegre a pintura das casas. Do lado direito, um gramado, a bandeira, como referencia ao país, (Inglaterra) e pessoas se divertindo. Na água, barcos com remadores. É nítido o movimento das pessoas. As pinceladas são longas e fortes. As árvores são poderosas, antigas. O céu de um azul brilhante, alegre. Essa ponte mostra uma alegre travessia, cheia de boas promessas.

"O Sena em Paris” –Camille Pissarro.(1830/1903)-(Gênios da Pintura,vol.V).
Pintor nascido nas Antilhas, filho de um comerciante judeu. Foi mandado para estudar em Paris. Foi amigo de Cézanne, Gauguin e muitos outros impressionistas. Foi considerado o “tutor” da geração que transformou o curso da pintura. A paisagem era comum para os impressionistas, mas Pissarro as enchia de figuras humanas. Buscava restabelecer a relação essencial entre o homem e o ambiente. Suas pinceladas são fortes e deixam marcas na tela. A ponte no Sena mostra em primeiro plano, à direita, três figuras humanas observando o rio, de cima de um balcão ou terraço.Suas roupas têm forte colorido.A ponte atravessa a pintura de lado a lado, com um lindo traçado, cheia de força e poesia. Barcaças e canoas são vistas no rio. À direita, na margem, o artista colocou uma grande fileira de árvores, provavelmente choupos, comuns na França, e muito apreciados pelos artistas. Por detrás dos choupos, podemos vislumbrar os tetos e chaminés dos prédios de Paris, até mesmo uma igreja. Pela coloração da vegetação deduzimos que é outono. O colorido é suave, brilhante, alegre. A travessia, aqui, podemos dizer que seja possível a todos, sem distinção.

“A Ponte de L’Anglois”- A ponte do Sena em Asniéres – Vincent Van Gogh (1853/1890) – (Os Grandes Artistas, vol. Impressionistas) Nosso holandês usou esta ponte em vários quadros, mudando a perspectiva e as cores. Lembra uma pintura japonesa. Nesta versão, ele usou seis cores criando assim, uma cena viva: as margens e árvores em laranja, céu e água azuis, o capim recebe tons avermelhados e marrons. No grupo de lavadeiras, ele introduz um pouco de preto e branco. São imponentes os dois maciços de tijolos que seguram a parte levadiça da ponte. E esta parte tem leveza e graciosidade, dentro da simplicidade da montagem com madeira. Nosso olhar busca o reflexo do maciço de tijolos na água. A carroça atravessando a ponte mostra uma vida simples, do campo, assim como as lavadeiras, que dão movimento ao quadro. O céu é chapado, diferentemente de outras versões. Suas pinceladas são longas e vivas. A travessia proposta por Van Gogh mostra que a simplicidade pode ser uma forma de arte, uma saída dos problemas, assim como um estilo de vida.

A Ponte do Sena em Asniéres: Nada nos resta a dizer sobre o trabalho deste gênio. Apenas observar a delicadeza e beleza desta composição. A predominância dos tons azuis, laranja, amarelo e verde nos aquecem o coração. A perspectiva dos arcos da ponte é perfeita. É uma linda travessia. Longa, porém prazerosa.

“Moças sobre a ponte”- Edvard Munch – (1863/1944) – (Gênios da Pintura, vol. VI). Artista norueguês, expressionista, tem uma obra perturbadora, cheia de sentimentos fortes. A vida de Munch foi marcada por grandes perdas e sofrimento. Isso muito influenciou sua obra. Sua ponte não parece ser uma travessia. Não podemos saber o que vêm as moças. E não sabemos onde vai dar o fim da ponte. Apesar das cores alegres, talvez no fundo do rio haja um demônio. Há algum mistério nessa imagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário