domingo, 22 de maio de 2011


"QUEBRADORES DE PEDRA"- COURBET - REALISMO FRANCÊS-

Nostalgia do trabalho
Thomaz Wood Jr. 26 de janeiro de 2011 às 9:00h
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nostalgia-do-trabalho
POSTADO POR THAÍS COLLUS(ALTERNATIVA CULTURAL)

Ao longo dos séculos, o trabalho passou por várias mutações. A Grécia
Antiga não o tinha em alta conta: seus luminares o consideravam um
inimigo da virtude, a brutalizar a mente dos homens e inutilizá-los
para as atividades mais nobres: a política e a filosofia. O
Renascimento recuperou o valor do trabalho e elegeu seu herói: o
mestre artesão, capaz de dele extrair sustento e arte.

No entanto, foi com a Revolução Industrial que o trabalho atingiu o
seu apogeu, sendo celebrado como motor da modernização e da
transformação do mundo. Hoje, a nossa sociedade tem outros deuses:
cultua mais o consumo do que a produção, valoriza mais a imagem do que
o fato, celebra mais o cargo do que o batente.
Significativamente, surgem aqui e acolá nostálgicos da velha ordem.
Notem, por exemplo, a proliferação de profissionais bem-sucedidos com
“hobbies sérios” ou “atividades paralelas”. Parece estar crescendo o
número de médicos pintores, financistas carpinteiros e engenheiros
moveleiros. Como se não bastassem as longas e estressantes jornadas de
trabalho, muitos profissionais mostram-se ávidos em localizar espaço
na agenda para desenvolver e exercitar suas competências manuais.
Sintomático!
O norte-americano Matthew B. Crawford seguiu os passos do sucesso
ditados pela nova sociedade da informação: obteve um Ph.D. na
Universidade de Chicago e conseguiu emprego em um think tank em
Washington, D.C. Entretanto, não demorou para se desiludir com a
manipulação de ideias e se frustrar com o restrito uso de seu
intelecto. Então, retornou algumas décadas na tecnologia e dois
séculos na organização do trabalho: foi montar uma oficina de reparos
de motocicletas antigas. No livro Shop Class as Soulcraft An Inquiry
Into the Value of Work (The Penguin Press, 2009), Crawford narra sua
saga e defende seus argumentos.

O autor parte da constatação de que uma mudança substantiva está em
curso: o que antes fazíamos, agora compramos pronto; o que antes
consertávamos, agora substituímos. Estamos, com isso, perdendo nossas
habilidades manuais e nos tornando mais passivos e dependentes. Pior:
estamos também perdendo alguns fatores intrínsecos de satisfação do
trabalho.

Para Crawford, o retorno ao artesanato, como mecânico de motocicletas,
devolveu-lhe o verdadeiro sentido do trabalho. Primeiro, porque o
resultado é claramente visível e reconhecido pelo cliente. Segundo,
porque o trabalho envolve operações cognitivas complexas que dependem
de conhecimento prático e experiência acumulada. Terceiro, porque sua
posição lhe confere um lugar na comunidade.

O autor argumenta que quem trabalha mais próximo dos fenômenos
naturais consegue estabelecer correlações e princípios mais coerentes,
enquanto quem lida permanentemente com abstrações e ignora a
matéria-prima da realidade tende a gerar dogmas com base em poucas
observações. Para o autor, o conserto de motocicletas envolve
raciocínio mais amplo e complexo do que o trabalho no think tank, o
contrário do que apontaria o senso comum.
Mas qual a raiz da desvalorização do trabalho artesanal? Segundo os
manuais de gestão, o ponto de inflexão deu-se pela consolidação da
linha de produção fordista e pela disseminação dos princípios de
administração científica, que ocorreram no início do século XX. Esses
fenômenos gêmeos aumentaram significativamente a produtividade,
reduziram custos de manufatura e criaram as bases para a sociedade de
produção e consumo em massa. Como efeito colateral, eles
marginalizaram o trabalho artesanal. A separação entre o planejamento
do trabalho (realizado por especialistas e gerentes) e a execução do
trabalho (realizado mecanicamente por operários) destruiu algumas
características que proviam satisfação intrínseca ao trabalho.

Esse movimento, que começou na indústria, avança agora firme no setor
de serviços. Os bancos, as seguradoras e os hospitais têm processos
que estão sendo cientificamente racionalizados, como se fossem linhas
de produção. A separação que ocorreu com o trabalho industrial está
agora ocorrendo com o trabalho no setor de serviços: enquanto os
gestores se atolam em reuniões, PowerPoints e ¬e-mails, o trabalho nos
porões das centrais de atendimento e nos centros de serviços sofre
forte padronização e rotinização.

Crawford é claro em sua valorização dos laços morais que ligam os
trabalhadores ao seu trabalho e os empreendedores aos seus
consumidores, laços que não deveriam ser tão prontamente sacrificados
no altar da eficiência e do crescimento. O esfacelamento desses laços
desencoraja a prudência e pode provocar efeitos nefastos. Não faltam
recalls de produtos ou crises financeiras para ilustrar o argumento.

Thomaz Wood Jr. escreve sobre gestão e o mundo da administração.
thomaz.wood@fgv.br
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/nostalgia-do-trabalho

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